BICADAS DO MEU APARO: Troca sem baldroca

Artur Soares

Escritor d’ Aldeia

Tive um grande amigo que partiu para o Pai há mais de vinte anos. Sempre bem, sempre pronto a contar uma fina piada ou histórias de vida, que levava os outros a reflectir, a exercitar a inteligência, a acordar. O Padre Trocado Netta faleceu em Braga e jaz na Póvoa de Varzim, sua terra natal.

 

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

A propósito de carenciados e de velhinhos, disse-me um dia: “Se a Igreja, principalmente os leigos, resolvessem um dia fazer greve aos altares, à vida espiritual e à acção social que a Igreja faz, seria um caos e até os governantes abanavam, como as canas agitadas pelo vento”.

É evidente que o Padre Trocado Netta sabia que greve na Igreja, nunca. A Igreja tem o Espírito Santo, não precisa das greves nem da democracia para se reger. Apenas conversávamos. E há pouco tempo, D. Jorge Ortiga disse uma grande verdade, mais ou menos assim: “Nunca as Santas Casas fizeram tanta falta como hoje. A Igreja, usando “a mão invisível” como o Evangelho ensina, sente e vê os carenciados e sabe onde estão os idosos da sua comunidade”.

Assim, aproveito a compreensão e a paciência do meu leitor, para recordar que vamos deixar o tempo do Verão e entrar num período muito difícil para os velhinhos, sobretudo o tempo frio. Muitos irão morrer ao frio, porque sós, e outros costumam ser entregues e morrer nos hospitais por causa das férias dos novos, das férias dos próprios filhos.

Não inventamos, conhecemos as situações e defendo que escrever é matar o mal do mundo. O punho de quem escreve, o sol não lhe pode criar crateras e o mau tempo não o pode corromper. É preciso que a insensibilidade e a falta de amor pelos idosos tombe, como o pássaro pelo disparo de uma fisga.

 

Conhecemos, bem conhecido, dos maus-tratos a idosos e de aparecerem mortos dentro de suas próprias casas. Entre nós, ultimamente é vulgar. Quem o desconhece? Um, até foi encontrado morto ao fim de oito anos dentro de casa!

Parece-me que a Terra em Portugal gira ao contrário. Assim sendo, porque não se faz uma experiência de troca sem baldrocas? Porque não colocamos os nossos idosos nas cadeias e, os meliantes e os delinquentes, nas casas dos velhos?

Efectuando-se a troca, os idosos teriam todos os dias acesso a um duche, lazer e passeios; teriam medicamentos e médicos, gratuitamente e estariam permanentemente acompanhados; teriam refeições quentes e não pagavam renda pelo alojamento; teriam direito a vigilância e assistência sem pagarem um tostão; teriam camas mudadas e lavadas e a visita de seus familiares, bem como biblioteca e terapia física/espiritual; teriam produtos de higiene, televisão, rádio e chamadas telefónicas em rede fixa; e entre muitas coisas mais, teriam apoio de psicólogos e assistentes sociais.

 

PUB

Assim, nas casas dos idosos, os delinquentes e meliantes viveriam com 200 euros numa mísera habitação, a pedir obras há mais de 50 anos e teriam de confeccionar a comida, tratar da roupa, viveriam sós, esquecer-se-iam de comer e não teriam ninguém que os ajudasse. De vez em quando seriam vigarizados, assaltados ou até violados e, se morressem, poderiam ficar meses ou anos à espera de fazerem a viagem de turismo final.

Morreriam após meses de espera de uma consulta médica ou de uma operação cirúrgica e não teriam ninguém com quem desabafar e muito menos queixarem-se. Tomariam um banho uma vez por mês ou ainda mais tarde, sujeitando-se a não haver água quente ou a caírem na banheira sem poderem chamar por ninguém. Passariam frio no inverno porque a reforma de 200 euros não chegaria para o aquecimento e, o único entretenimento diário era verem telenovelas, desgraças, notícias promotoras entre amigos, gays devidamente organizados com programas televisivos e o Goucha diariamente de sapatos brancos, misturado com o castanho.

Advogo, sem a mínima dúvida, a troca. O problema é grave, demolidor e provoca medo. O individualismo e o egoísmo são selvagens e não podem ser sempre os mesmos “a dar e a serem voluntários”. Conheço hospitais, cadeias e lares para idosos. Nestes locais “a dar e a serem voluntários”, nunca encontrei ao serviço dos carenciados e dos idosos, Conservadores, Socialistas ou Monárquicos. Encontrei sempre e só, cristãos.

 

Falar de amor, a muitos provoca risadas. Além de outras, existe a insensibilidade, a arrogância e o desdém pelos outros. Mas a verdade é uma: às casas dos idosos sós, já lhes chamam as “salas dos recusados”.

Conta-se que a um santo, um dia lhe apresentaram um sábio. “Que nos ensine”, respondeu. Depois apresentaram-lhe um santo. “Que reze por nós”, pediu. Noutra altura apresentaram-lhe um líder político. “Que se coloque à nossa frente e nos governe com juízo e justiça”.

 

NOTA: O autor não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

 

 

  Partilhar este artigo