Paula Teixeira de Queiroz
Escritora
17h30
Hoje só fiz asneiras (e algumas coisas bem feitas)
Só fiz asneiras, palavra de honra, eu nem devia existir.
De manhã fui à CML entregar a resposta a uma intimação resultante da queixa da vizinha do lado, a valquíria alemã, ausente em parte incerta há mais de 7 anos, porque abri um postigo (ao abrigo do artº 1336º nº2 do Código Civil – frestas e seteiras), sem consultar o 4º Reich que pelos vistos funciona aqui ao lado e só eu é que não sabia.
GOSTA DESTE CONTEÚDO?
- Não se esqueça de subscrever a nossa newsletter!
Fui e vim do Chiado a pé, com um pé coxinho porque ousei calçar uns sapatos que me feriram o calcanhar delicado e pouco habituado a apertos. Ao subir a minha rua (a tal que é mais inclinada do que o Evereste) rezei a todas as valquírias (de vaca) da rua que não me aparecessem à frente porque o 4º Reich iria desaparecer à vassourada.
Depois de levar quatro dos meus livros ao correio, onde os funcionários mais uma vez insistiram que eu devia pô-los lá à venda e mais uma vez expliquei que não tinha a categoria do JRS nem da MRP para isso, passei pelo canalizador para perguntar, baixinho, se sabiam onde se comprava remédios para ratos. Pareceu-me ver um movimento suspeito vindo da rua na direcção da cozinha, passando pelo corredor. Quando o Sr. Jaime tinha aqui a esplanada havia ratos gordos do tamanho de coelhos até que a ASAE lhe fechou o estaminé e o senhor teve um AVC e nunca mais apareceu. A rua nunca mais foi a mesma! Os ratos agora são mirrados, até metem pena de magrinhos e apetece é alimentá-los. Mas está tudo pela hora da morte, nem para nós nem para os ratos.
A Inês aqui do lado, mesmo chegadinha ao Sr. Jaime, partiu um pé e estava à porta de muletas. Não conseguia estar dentro de casa, o calor é muito e respira-se melhor a olhar para o Tejo, que corre pachorrento, alheio às pequenas misérias do mundo. Mas a propósito do ratinho, juntaram-se quatro aganões na loja de ferragens, todos a dar palpites, leve uma ratoeira, arranje um gato,faça assim, faça assado… Ai, o macho latino-portuga não se consegue conter! Vim-me embora com a promessa do velhote da caixa que “vai tratar disso” e amanhã me liga.
De impulso entrei no supermercado e aí é que a asneira foi total: comprei uma embalagem de gelado de chocolate preto belga da Haagen Dazs, que me perdoe o Santini mas desde que não tinham chocolate preto belga desceram completamente na minha consideração; comprei dois litros de sumo de laranja quando tenho por obrigação comer uma ou duas laranjas, descascadas por mim e comidas lentamente para não ingerir calorias a mais; depois vi uma romã lindíssima, o fruto mais caro à vista, e não resisti, acho que vou embalsamá-la: à romã e ao ratinho, se é que não foi trompe d´oeil. E ainda, e ainda, mais uma tablete de chocolate preto, espesso e negro, suculento e tentador que deve render 10.9999 calorias. A lista não termina aqui, mas vou poupá-los a tanta asneira.
É pena a vaca, perdão, a valquíria, andar de novo desaparecida, senão enfiava-lhe o chocolate preto, o ratinho e a romã pelas goelas a ver se amansava.
Não sei se hoje me perdoo. Nem desço as escadas, o frigorífico fica demasiado perto, vou-me fechar no quarto com o ratinho a rir-se de mim!
18h30
“Leve-me daqui o urso, leve-me daqui o urso, hoje já estou farto de ursos!”
Mas é que a coisa não ficou por aqui. Com o estropício da mudança da hora os dias enganam. Quando pensava que podia, descansadamente, continuar as peripécias do meu novo livro, – agora ando com a Josefa às voltas -, liga-me a Helena, a secretária do meu pai, a dizer que me estava a enviar o seguro do carro por email e para eu imprimir e ir pôr no vidro porque já andava sem seguro. Vai daí, e sabendo o que a casa gasta, perguntou-me se já tinha levado o carro à inspecção. Que não, disse eu atarantada, ainda há pouco levei o carro à inpecção. Que nada, expirava hoje, dizia ela, aflita. Veja a matrícula do carro! Isto é de uma estupidez atroz mas tenho o carro há mais de 10 anos e ainda não decorei a matrícula. Não sei, não me interessa, nem penso nisso. Só me lembro das letras, os números é uma nebulosa. Quase nem pego no carro, prefiro o comboio, andar a pé ou de avião, sei lá! Pois, hoje acabava o prazo para a inspecção. E o selo? Qual selo?, pergunto eu. Ai meu Deus que anda sem selo há um ano. Oh meu Deus, que ando sem selo há um ano.
PUBVou a correr, sem carteira sem nada, de chinelos, directa que nem um fuso ao Sr. Luís, o mecânico da Infante Santo.
O homem deitou as mãos à cabeça: “Isto é mulheres, dão-me cabo da cabeça, guardam tudo para a última da hora!”. Estava lá uma senhora com ar comprometido, a olhar para mim com ar cúmplice!
“Já vai pagar o selo com multa! Amanhã vá sem falta às Finanças! Deixa ficar a chave de casa?! Tome lá a chave de casa! E leve-me daqui o urso, leve-me daqui o urso, hoje já estou farto de ursos!”
“Não é um urso, é uma rena!”, disse eu abespinhada, olhando para o peluche que tinha trazido do Canadá e onde penduro as chaves para não as perder.
“Para mim é tudo ursos! Leve-me o urso e amanhã vá pagar o selo!”