Crónicas de trazer por casa: Mas eu ainda não sou peste grisalha!

Zita Leal

Professora

(Aposentada)

Tenho quarenta e nove anos do tipo galã latino, as amigas acham que sou um pão, os amigos dizem que sou o típico Português esperto, a família mais chegada retrata-me como um “ bom rapaz, trabalhador “. Tudo para me considerar um homem feliz!

O caso mudou de figura este ano. O meu patrão chamou-me ao seu gabinete bem confortável, por sinal, e disse-se muito satisfeito com o meu desempenho na fábrica: houvesse mais funcionários como eu e este país sairia da crise em que está metido. Era com muita pena que me dispensava. Comigo iriam mais dez por razões puramente economicistas. Engoli em seco nos primeiros instantes mas depois argumentei com os trunfos que tinha: assiduidade, responsabilidade, a minha juventude dedicada à fábrica, dois filhos na universidade, etc. , etc.

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

Resultado: duas palmadinhas nas costas, subsídio de desemprego que o Estado não é madrasta e porta do gabinete escancarada para a saída.

Recorri à Segurança Social que espero cumpra o que o contrato do empregador apresentou e comecei uma corrida às empresas munido de currículo que ainda não entendi bem para que serve se na hora da entrevista me dizem que sim senhor, um bom currículo só que já ultrapassa a idade de admissão. Esta situação é recorrente em todas as apresentações.

Pergunto: então este ar de homem trabalhador, robusto, limpo, não vale nada? Os anos de entrega ao bom nome da fábrica são zero na vida do trabalhador?

Há tempos um iluminado deputado quis reduzir a experiência braçal e intelectual a uma nova espécie de vírus. Chamou-lhe “ peste grisalha “.

Não me consta que os Direitos Humanos tenham exigido a retratação do indivíduo e o Governo embarcou na ideia de que é velho ponha-se fora e há que rentabilizar os dinheiros em detrimento da experiência e do saber.

Para onde nos encaminham? Depressão? Alcoolismo? Roubo? Suicídio?

Legislam tanto e por vezes tão mal! Reciclem, por favor, os vossos neurónios, deixem de atender só aos números e pensem mais nas pessoas. Garantam aos trabalhadores emprego até à idade da reforma, não lhes neguem a vontade de viver para além dos jogos de cartas e dos olhares húmidos de raiva e desespero.

 Eu ando assim e rejeito fazer parte da peste grisalha.

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