Curso em Lourenço Marques e bronca no ‘Aquário’

José Leal

Professor de Educação Física e Desporto

Estávamos em 72 e o Zé é convidado juntamente com o seu amigo Pascoal, para um curso de aviação patrocinado pela Shell, a ter lugar em Lourenço Marques.

O convite caiu que “nem ginjas”. Além da oportunidade de aprender mais alguma coisa, o mais importante eram os quinze dias afastados da guerra, gozando os prazeres de uma cidade linda, com praias magníficas, excelente gastronomia e diversão a “dar com um pau”.

O curso funcionava de manhã, pela fresquinha, e depois do almoço era correr para as praias da Costa do Sol, intervalando uns mergulhos nas águas sempre quentes, com umas estadas nas esplanadas em frente, na marginal, bebendo umas cervejas, comendo umas santolas e dando dois dedos de conversa a alguma mulatinha que por ali “estacionasse”.

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A Sé de Lourenço Marques

A noite era passada numa das muitas casas de animação da Rua Araújo, junto ao porto, mais conhecida por “Rua do Crime”, pois era uma rua constituída só por bares e enchia-se de militares e marinheiros dos barcos comerciais que aportavam o Porto de Lourenço Marques.

No final do curso, o responsável pela Shell em Moçambique, um engenheiro grego de meia idade, convidou os “cursantes”, cerca de uma dúzia, para um jantar de despedida em sua casa. O repasto foi uma mariscada das grandes, terminando com uma maionese de lagosta, confeccionada à boa maneira grega, tudo isto acompanhado por excelentes vinhos da terra do anfitrião.

Depois do jantar, o Engenheiro Alamandaris, mandou reservar três mesas no “Dancing Aquário”, a estrela mais reluzente dos bares da Rua do Crime.

E aí vai o pessoal todo, já bem bebido, preparado para uma noite bem passada, num dos locais de diversão mais “in” da cidade.

As mesas estavam colocadas mesmo junto ao palco, com várias garrafas de whisky à disposição, palco que servia de pista de dança, com música lenta, apropriada para uns bons “enroscanços”.

 Um quarto com boas vistas

Do grupo fazia parte o Baptista, oriundo do Porto, da zona da Banharia, que estava colocado no AB6, em Nova Freixo.

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O Baptista, aos primeiros acordes, já estava na “bailação”, com uma mulher linda, bem-feita, torneada, de mini-saia até ao pescoço, alvo principal dos olhares de todos os clientes. Vai-se deliciando com a dança, bem agarradinho, fazendo inveja aos circunstantes.

O Zé, apesar de já bem bebido, começa aperceber-se de alguma coisa de estranho na anatomia da companheira do Baptista. E como num “flash”, vem-lhe à memória a entrevista lida uns dias antes na “Revista Tempo”, com Belinda, um travesti, a trabalhar em Lourenço Marques. No caminho para uma ida ao quarto de banho, confirma a sua desconfiança, no cartaz colocado num placard junto ao balcão.

Estávamos mesmo na presença da Belinda.

Zé não pode deixar que o Baptista continue a ser enrolado e faz-lhe sinal que quer falar com ele. Baptista não liga, desconfiando que é uma táctica para lhe roubarem a rapariga. Quando passado algum tempo se aproxima da mesa para pegar o seu copo de bebida, Zé diz-lhe num ápice:

– “És um camelo pá… andas a dançar com um gajo”…

Resposta pronta do Baptista:

– “Que gajo bom… querias era ficar com ela, não era”?

Passam-se os minutos e quando Baptista vai “verter águas”, Zé dirige-se a ele e conta-lhe a sua desconfiança. Baptista fica agora um pouco mais pensativo e quando agarra de novo a Belinda, põe-lhe a mão entre as pernas, confirmando o que Zé lhe tinha dito.

Na Messe

Foi o fim do mundo. Habituado às noites escaldantes do Porto, de “faca e alguidar”, Baptista começa a agarrar mesas e cadeiras e a lançá-las para onde calha.

Instala-se uma autêntica confusão. Parece estar-se num salão do faroeste.                                                                  

O bar fica completamente destruído. Quando se consegue acalmar o Baptista, chega a polícia. Para controle dos militares, havia aquilo a que chamavam “ronda mista”. Era uma ronda formada por militares dos três ramos das forças armadas e militarizadas.

No caso, o comandante da força, pertencia à Marinha e cumprindo a sua missão, depois de identificar toda a gente, conduziu-os a uma esquadra da PSP, situada numa rua próxima.

No Jardim Botânico

Lourenço Marques

Com o Baptista ainda alterado por ter sido enganado pela Belinda, estrebuchando por todos os lados, aguarda-se o Comandante de Dia das rondas militares de Lourenço Marques.

Passada cerca de meia hora, com o ambiente já mais calmo, chega o comandante. Capitão do Exército, da Arma de Cavalaria, ainda muito jovem. Por estranha coincidência, Zé reconhece no militar uma cara familiar e qual não é o seu espanto e de todos os camaradas presentes, aquele ao entrar, dirige-se ao Zé e abraçando-o com força diz:

– “Ah grande amigo… onde nos havíamos de encontrar… e em que circunstâncias…”

Zé reconheceu então o seu amigo Tavares, natural de Coimbra, seu camarada de especialidade, quando na Escola Prática de Cavalaria de Santarém.

– “Eras a última pessoa que esperava encontrar hoje aqui, meu sacana. Teria sido bem melhor que tivesse sido em Almeirim, a comer uma sopa de pedra no “Toucinho” e a mandar umas tigelas para o bucho… Mas ainda bem que é assim. Ajuda-nos lá a resolver este problema”, vai dizendo Zé.

Tavares ajudou mesmo a resolver o problema. Só que o proprietário do bar não desistiu da queixa contra o Baptista, e Tavares foi obrigado a participar dele.

Depois de cumpridas as formalidades habituais para estes casos, Zé despede-se de Tavares, com a promessa de um reencontro já no continente.

Umas horas mais tarde, Zé e Pascoal embarcam num DC6 em direcção à Beira. Viagem atribulada de que falaremos noutra história

Almoço na Beira e depois partida para Tete, numa viagem de hora e meia, aguentando o roncar insuportável do motor do NordAtlas (avião para a largada de paraquedistas).

Uma semana depois, estavam no bar a beber umas cervejas e têm a surpresa de pela frente lhes aparecer o Baptista.

O castigo, tinha sido a sua transferência para Tete.

Tudo por causa de uma Be(linda)…

geral@minhodigital.pt
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