Da ‘superioridade vianense’…

Ricardo Arieira

Relações Internacionais

Há uns anos atrás recebi a visita de um amigo portuense que, depois de alguns dias de socialização com as gentes de Viana, saiu-se com uma declaração surpreendente: disse-me, “há qualquer coisa nas pessoas de Viana que apenas me ocorre designar de ‘cagança vianense’”.

Ora, o facto de um ‘meteco’ se sair com uma tirada daquelas, depois de um workhop de socialização “à moda de Viana”, em meia dúzia de horas, leva-me a concluir que a sua percepção capturou apenas a forma e não a substância das gentes de Viana. Mas independentemente de tudo isso, a sua avaliação é importante para termos a ideia do que somos, e da imagem que passamos a um estrangeiro que fale a mesma língua que nós.

É claro que eu podia estereotipar e fazer asserções sobre a sociedade portuense, indo direitinho até à Foz do Porto, e dizer que a nossa “atitude de superioridade” não é nada comparada com a deles, mas isso iria relativizar a fasquia da “cagança vianense” e, por isso, mantive-me sereno e observador.

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De facto, a sociedade vianense aparenta ser, apesar de tudo, bastante homogénea na forma. Não interessa para aqui a substância, porque sobre essa falam os dados estatísticos. E aí, tudo seria ainda mais complicado! Mas, na aparência, Viana tende para uma certa homogeneização societal, particularmente, no modus vivendi da sua sociedade. Isto é, prevalece a ideia de que eu não quero parecer diminuído perante a grandeza (aparente, ou não) do meu vizinho, e vice-versa. E esta é uma concepção absolutamente liberal, anglo-saxónica, diria. 

No fundo, Viana é um microcosmos, uma caixa de ressonância da sociedade portuguesa, de um modo geral, e de um contexto europeu de matriz republicana, que se insere num mundo globalizado, de matriz liberal.

Primeiro, vamos à generalidade dos portugueses, e o que vemos é uma absoluta valorização dos títulos honoríficos e dos bons nomes de família. E isto a literatura estrangeira, comprova-o.

Segundo, vivemos da forma mais liberal possível dentro do espaço público, em termos de participação política (por exemplo, voto se me apetece, participo se quiser), preservamos ao máximo a nossa individualidade, e aparentemente valorizamos com a mesma força a nossa propriedade, e até avaliamos o mérito do nosso vizinho à moda dos liberais, ou seja, de acordo com a meritocracia, numa lógica do “self-made-man”.

Terceiro, esquecemo-nos da matriz republicana que nos organiza a vida de fio a pavio (verdadeiramente, só damos conta dela quando somos chamados a “contribuir” para fins de solidariedade), na qual o indivíduo frequentemente atinge os seus méritos porque, ou já nasceu em berço de ouro, ou recebeu uma mão do Estado, ou um empurrãozinho nas costas de um conhecido bem posicionado, ou até escabrosamente recebe uma luva azul ou um saco bege.

E, depois, é claro que todas estas identidades a respirar dentro de nós embaciam muito as nossas lentes, sendo fácil cair no erro de julgar os outros com a superioridade nariguda de quem tudo conseguiu na vida pelo próprio pé. De resto, não vem muito mal ao mundo se assim é, mas se, ao menos, algo de grandioso foi até efetivamente conseguido… o lamentável é quando assim não é, e por detrás de toda a fachada, ou seja, da forma, se esconde uma superioridade líquida, pois é precisamente aí que se expressa o tal arquétipo da “cagança vianense”.

 

 

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