O Mercedes parou à minha frente, no semáforo.
Um homem pequeno, magro, escassamente vestido com restos de uma roupas escuras, indefinidas, aproximou-se do condutor em busca de uma moeda. Ao contrário do que eu esperaria, o vidro baixou e uma mão onde avultava a alvura de um irrepreensível punho de camisa estendeu uma nota ao homem de face marcada pelo passar dos anos e da miséria.
Chovera havia pouco e o belo automóvel cor de prata estava salpicado de água. E foi então que a cena se tornou insólita aos meus sentidos; o homem, cuja vida, certamente lhe fora penosa e madrasta, passou a mão ao de leve pela pintura do belo automóvel e dali recolheu uns quantos pingos que a chuva deixara, e com eles se benzeu, enquanto erguia o rosto sujo para o céu, a agradecer a Deus aquela inusitada e substancial esmola, num improviso autêntico de reconhecimento ao Criador.
O trânsito arrancou e eu, estupefacto, levei alguns segundos a reagir perante a nobreza daquele intimo e surpreendente gesto.
E lá me fui, perguntando-me o porquê daquilo que acabava de presenciar e que me tanto me havia marcado. O porquê, de uma pessoa que teria razões para pensar que Deus a esquecera, afinal – e sem se preocupar com exposição pública – tivera aquele expontâneo gesto, crente em que afinal o Altíssimo lhe enviara auxílio, provavelmente suficiente para lhe mitigar algumas das suas fomes mais urgentes.
Num tempo em que aqueles que mais podem, e cuja mesa, repleta, não constitui preocupação maior, se esquecem de agradecer ao céu os bens que usufruem, a ponto de sentirem vergonha em afirmar – mesmo que só perante a própria família – a sua (eventual) fé em Deus, ainda há homens que, não obstante a miséria em que vivem, reagem à caridade da forma que eu acabara de testemunhar na tarde chuvosa de Bogotá, a capital de um país a que alguns chamam – erradamente – de subdesenvolvido. Tomara esta arrogante Europa “dos privilegiados” apresentar um crescimento ao menos próximo dos mais de cinco por cento ao ano que a Colômbia apresenta hoje, e de ter cidadãos parecidos com a gente educada e de bom coração que por lá existe.
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Para nós, os Europeus, talvez seja tempo de deixarmos de nos dar ares superiores e de reaprendermos a importância do humanismo solidário com quem realmente ainda o sabe sentir, embora se deixe (humildemente) passar por subdesenvolvido.
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Bogotá (Colômbia)