Férias de crise e de borla

Artur Soares

Escritor d’ Aldeia

Normalmente, os portugueses, nesta época do ano ou até mais tarde um pouco, começam a programar as férias. Também sempre assim fiz, e, como pensionista do Estado, mais tempo possuo actualmente, melhor posso programar as férias e a vida. E devido aos medos e incertezas na sobrevivência anunciada por quem nos desgoverna, programei e já gozei as férias do presente ano neste passado Dezembro de 2016. Mas diferentes: férias de crise e de borla.

 

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Assim, e devido a que no próximo natal tudo vai ser reduzido e aos pontos de calcular quantas rabanadas cada um poderá comer, dei uma volta sem horários e transporte e deixei que pensamentos e o físico tivessem férias à antiga e, segundo a miséria em que nos colocaram os rapaces de dentro e de fora do país.

 

Confirmada a absoluta necessidade dessas férias d’Inverno, recordei a vivência da vida até aos vinte anos: como vestia, como me alimentava, onde passava os meus tempos, entre outras coisas.

 

Tudo bem recordado, revivi esse passado, voltando à loucura dessa vida de então. Loucura, porque senti que ao fim destes últimos quarenta anos, tenho de abandonar a vida que tinha, por roubo, nos descontos dilatados que o Estado me obrigou a pagar – sem se prever – e, sobreviver novamente, numa vida de pobre a que fui obrigado na passada segunda República.

 

Assim, porque o governo Passos Coelho/Paulo Portas, me roubaram no total da aposentação a que tenho direito – e este Governo ageringonçado o mantém –  sinto-me vilipendiado, frustrado e terei de despedir o meu motorista; o abandono de comandar o barco que me distanciava das praias dos pobres, empurrando-me para a solidão da noite e das estrelas que se adoram no alto mar; a necessidade de esquecer as pessoas que me prestavam vassalagem e regressar à presença constante dos pedintes, dos maníacos, dos pirómanos, dos reles programas de televisão, dos vigaristas e loucos, que diariamente palmilham os caminhos da cidade.

 

Então dei início às férias inéditas que programei, deslocando-me para as aldeias do Alto Minho.

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Lá, roubei uns calções estragados e uma camisa remendada em vários sítios; antecipadamente já tinha deixado crescer o cabelo e a barba, ensebando-os com odores nauseabundos; deixei-me queimar pelos gritos da neblina diurna e nocturna e arranjei um boné bastante roto; num entulho “agasalhei” umas botas de trolha, já rasgadas e queimadas pelo uso e pelo mau-trato; adquiri umas meias que embora fossem parecidas, eram ligeiramente diferentes uma da outra; nos arredores de um acampamento cigano, encontrei um saco de serapilheira para agasalho e roubei a um agricultor uma vara (um nadinha torta) de marmeleiro, para dar a impressão de necessitar em apoiar-me nela.

 

Finalmente, animado e devidamente andrajoso, atravessei campos e bouças, caminhos estreitos e de terra batida, na esperança de encontrar alguém que me oferecesse uma tigela de caldo com sabor a carne de porco com ranço, mas ninguém adivinhou a minha necessidade; roubei fruta em vários campos e, um rapaz com cerca de vinte anos, deu-me uns pontapés nas canelas e empurrões, por não lhe ter pedido a fruta; destruí aglomerados de formigas de bom porte, porque não me deixaram dormir; enganei várias crianças, sacando-lhes o lanche, em troca de rebuçados que não tinha; dormi em casas a cair e em fase de construção; roubei comida dalgumas casas, quando as donas dependuravam roupa a secar nos quintais; enganei lavradores e construtores civis, que dando-me o jantar e a dormida em suas casas, exigiam-me o pagamento em trabalhos no dia seguinte, mas fugi a todos antes de os iniciar; tive de me esconder de jeeps da guarda republicana, porque com aspecto de mendigo, sujo e esfarrapado, me podiam “deitar a unha” por causa de umas espigas de milho roubadas.

 

Durante esses dias em que fui mendigo, pulha e ladrão, para o sucesso do meu gozo de férias à borla, encontrei gente boa que ao cruzar-me me davam uns cêntimos para tabaco, quando não podia “cravar” ninguém. Encontrei curiosos que pretendiam saber donde era, quem era e porque vivia andrajoso. Falando sempre pouco, a todos menti e culpei os governos por me roubarem na pensão e terem provocado esta crise de que não há memória da existência doutra igual.

 

Desse modo, vivi e passei umas férias que aos pequeninos provocou risos a uns e dó a outros. Por alguns adultos, fui alvo de desprezo. Mas expliquei a muitos os vícios que ainda temos, os chefes de serviços sem subordinados, a perda de soberania nacional existente, a “má-figura” que fazemos perante os outros países, os gordos salários dos que vendem o país por estarem doze anos na política e falei-lhes daqueles que roubaram milhões à Banca, mas que não temos tribunais ou leis que os obrigue a repor o dinheiro, para ser menor a pobreza de todos.

 

Afirmaram-me a necessidade doutro 25 de Abril. Respondi a todos que na segunda República havia Forças Armadas vivas, competentes e atentas. Mas que nesta Terceira república, não.

 

(O autor não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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