Memórias

Dizem que, quando as antigas memórias nos assaltam, ou delas falamos, estamos a ficar velhos e, de certa forma, a ajustar contas com o passado.

Concordo em parte, para discordar logo de seguida, da outra parte, alegando: mal de quem não tem memórias, ou não as queira assumir e partilhar, afinal foram vivências, neste caso, não muito distantes mas, que analisadas à luz dos dias que correm, parecem uma eternidade.

Sei que o idadismo instalado na sociedade, vai fazendo o seu, perigoso, caminho. Mas essa é outra história.

Por outro lado, corre-se o risco   de se ouvir dizer: isso já passou e não interessa nada. Ouço mas não concordo. E não concordo, porque o que mais me apetece fazer, neste momento, é refugiar-me em memórias e fugir do lamaçal em que, Portugal e o Mundo, estão enterrados. Mas sei que não o devo fazer, e não o farei.

O cenário governativo e político em Portugal é tão escabroso que, apetece corrê-los à vassourada, como quem limpa um pardieiro manhoso e desabitado, cheio de pulgas, traças e carraças, fétido para o reabilitar e voltar a ocupar de novo, mas devidamente desinfestado, tendo retirado as sucessivas camadas de lixo tóxico nele impregnadas, até à exaustão, levando este para a um aterro sanitário ou incineradora.

Como, literalmente esta solução, não é possível embora seja desejável, eu não viro totalmente as costas, ao que se está a passar, porque não é nessa maneira de ser, nem me revejo, enquanto cidadão, tenho a obrigação moral de dar o meu contributo.  Assim refugio-me no que de bom tenho nas gavetas da minha mente, para desanuviar um pouco. Aliás, parte destes problemas decorrem do alheamento dos eleitores, em persistir no erro, de dizer que são todos iguais e em não usarem aquilo que é mais importante e elementar em democracia, para combater esta praga: o voto. A festa da democracia.

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

E os que não votam, os abstencionistas, desta forma, criaram o maior partido. Convém meditar nisso, sobre pena de assistirmos ao crescimento dos extremos que em nada contribuirão para o nosso bem-estar. Pelo contrário.

1-Era um bonito dia e um Domingo, cheio de Sol, em 18 de Abril de 1976, e era dia de Páscoa, por sinal, um evento que, na minha terra, se vivia com cariz de festa popular com grande tradição.

Aquele dia, e o seguinte, por tantos aguardado, era vivido intensamente, pelos residentes e, por todos aqueles que, habitavam pela região do Porto, Lisboa ou outras terras, aproveitando o momento para virem à sua terra, celebrar a Páscoa.

Muitos abraços eram trocados e milhares de beijos dados. Reviviam-se velhas amizades ou laços familiares e actualizava-se a informação, social e familiar, sempre num ambiente de festa e alegria.

O Compasso Pascal que, a pé, percorria uma boa parte das casas, levava atrás de si uma moldura humana considerável que ia engrossando à medida que avançava. Nenhuma casa tinha uma sala com tamanho suficiente para acolher todos aqueles que queriam cumprimentar a família daquela casa e desejar-lhe uma boa Páscoa. Mas todos o faziam, saiam uns e entravam outros.

Mas nesse dia, algo de inédito se passou, em determinada casa. O assunto tinha sido previamente estudado, no sentido de ser feita uma brincadeira.

O padre João, depois de dar a cruz a beijar a todos, sentava-se a uma mesa, bem recheada de aperitivos, salgados e doces, cumprindo o ritual em trocar umas palavras de circunstância com os anfitriões daquela casa na esperança de voltar no ano seguinte. No bolso levava o folar.

Ribeiro, o sacristão, pousou a cruz sobre uma cama do quarto contiguo à sala, como sempre o fazia. E sentou-se, também, à mesa.

Entretanto, a cruz, foi “despromovida”: passou de cima da cama, para debaixo dela.

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O padre João, cumprindo o protocolo cerimonial, começou a dizer ao sacristão que era o momento de rumarem a outra casa. Este, sempre solicito, respondeu: “sim senhor padre, vou já buscar a cruz”.

O problema é que não encontrava a mesma, mas também não queria dizer ao padre que a tinha perdido. E percorria os todos os recantos em silêncio mas, de certa forma, angustiado, mas não dizendo nada a ninguém.

“Então, senhor Ribeiro, vamos ou não”?

“Já vamos senhor Padre”!

Como aquilo devia ser rápido, e não se verificava, o padre estava impaciente e voltava a chamar pelo Ribeiro, dizendo: “o senhor era bom para ir buscar a morte”!

“Já vamos senhor padre”.

E eis que, triunfante, surge o senhor Ribeiro de cruz engalanada nas mãos. “Vamos lá senhor padre”!

Mas o senhor Ribeiro era uma pessoa inteligente e enquanto muitos se aperceberam e se riam alegremente, sobre o acontecimento, ele lançou olhares inquisidores, àqueles que ele achava serem os autores da brincadeira.

Sei que nos anos seguintes nunca mais pousou a cruz.

Terça-feira, dia de trabalho local onde os autores e o senhor Ribeiro se encontraram.

O primeiro bom dia do senhor Ribeiro, foi este: “fostes vós seus malandros”. E dito isto, riu-se até às lágrimas.

* O autor não segue o acordo ortográfico de 1990

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