O famigerado artigo 6.º da Carta da Era Digital: O PS dá o dito por não dito em mais uma manobra digna de Rocambole!

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Carlos Magalhães

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Na legislatura anterior a AR aprovou a Lei n.º 27, de 17 de maio de 2021, que consagra a Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital.

O documento, cujo principal autor foi o deputado socialista José Magalhães, ex-comunista, supostamente prevê a defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos no ciberespaço, como por exemplo o direito ao desenvolvimento de competências digitais e de participação em ambiente digital ou ainda o direito e liberdade de reunião, manifestação e associação.

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Esta nova legislação, que resulta da fusão dos projetos do PS e do PAN, foi aprovada com os votos do PS, PSD, BE, CDS, PAN e das deputadas não inscritas e a abstenção do PCP, PEV, Chega e Iniciativa Liberal. CDS e Iniciativa Liberal ainda tentaram revogar o polémico artigo 6.º, mas viram as suas propostas rejeitadas, com os votos contra do PS (à exceção de quatro deputados), BE, PAN e da deputada não inscrita Cristina Rodrigues.

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A lei determina que o Estado deve assegurar o cumprimento, em Portugal, do Plano Europeu de Ação contra a Desinformação para proteger a sociedade contra pessoas que produzam e reproduzam fake news, como hoje é vulgo dizer-se. Está ainda previsto no seu articulado que todo o cidadão tem o direito a apresentar queixas à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) em casos de desinformação. Basicamente pretende-se que o estado proteja a sociedade face às pessoas singulares ou coletivas que produzam e difundam notícias e narrativas falsas com o fito de obter vantagens económicas ou ludibriar o público deliberadamente com eventuais prejuízos para a democracia e o cumprimento das políticas públicas, nomeadamente através da divulgação de vídeos manipulados e notícias falsas e da criação de perfis falsos.

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Invoca-se na redação do famigerado artigo a exclusão das sátiras e paródias, bem como notícias erradas sem a intenção de prejudicar terceiros. A ERC ficaria com a gestão do “ruído” noticioso, recebendo as queixas dos lesados e atuando em conformidade com medidas sancionatórias, através da criação de ipsis verbis “estruturas de verificação de factos por órgãos de comunicação social devidamente registados” e da atribuição de, pasme-se, “selos de qualidade por entidades fidedignas dotadas de estatuto de utilidade pública”.

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Foi o artigo 6.º do diploma, relativo ao “direito à proteção contra a desinformação”, que mereceu o maior coro de críticas e a nossa apreensão, porquanto não aceitamos que seja o Estado (na verdade, os governantes) a dotar com selos de qualidade estruturas de verificação de factos, tal como se certificam as morcelas e os queijos.

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Como escreveu Joana Amaral Dias a 14 de julho de 2021, “A Carta de Direitos Humanos na Era Digital ou a exclusão pelo Facebook de publicações sobre a origem humana do SARS-CoV-2 são exemplos. O novo normal de medo e delação, abdicar de liberdade por segurança, debutou no século XXI com o 11 de Setembro … sempre existiram fake news, boatos, rumores. Uma democracia gere-os, promove a diferenciação factos/opiniões, a dúvida sistemática, pensamento crítico. As ditaduras é que bajulam interesses instalados, proibindo.”

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Esta carta seria assim mais um mecanismo encapotado para aprovar instrumentos avulsos de controlo e monitorização digital por parte do Estado aos cidadãos, aos órgãos de comunicação social e às redes sociais.

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Mas eis que agora o PS dá o dito por não dito e propõe-se eliminar o controverso artigo 6.º da referida Carta.

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Há cerca de um ano, Raquel Brízida Castro já tinha interpelado o legislador, quem define o que é uma narrativa verdadeira que se contrapõe à falsa? Para esta constitucionalista constitui, assim, um perigo grave para a democracia “funcionalizar” a liberdade de expressão. Nos termos da Carta, o combate à desinformação implicaria o controle da liberdade de expressão no ciberespaço.

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Na verdade, também o artigo 20.º da Constituição de 1933 visava proteger a opinião pública dos fatores que a impedem de saber a verdade e a afastam da justiça e da prossecução do bem comum. Curioso, não é. (In)congruências dos novos deuses com pés de barro.

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Entretanto, o partido do governo, entrega na AR um projeto de lei para revogar o tal artigo 6.º da Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital, depois de na legislatura passada ter recusado fazê-lo. Os socialistas querem agora revogar todos os pontos do artigo relativo ao direito à proteção contra a desinformação, mantendo apenas o primeiro, que estabelece que “o Estado assegura o cumprimento em Portugal do Plano Europeu de Ação contra a Desinformação, por forma a proteger a sociedade contra pessoas singulares ou coletivas, de jure ou de facto, que produzam, reproduzam ou difundam narrativa considerada desinformação”. Com o novo projeto intentam os socialistas debelar a “querela” que supostamente tem prejudicado “a questão essencial que o próprio combate à desinformação convoca”.

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Também o Presidente da República e a Provedora de Justiça, na sequência das dúvidas constitucionais levantadas pediram a fiscalização da constitucionalidade daquela norma ao Tribunal Constitucional.

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A confusão e incoerência das narrativas do visconde de Ponson du Terrail em torno da personagem que o celebrizou, Rocambole, levaram o escritor francês oitocentista a escrever um livro para esclarecer os leitores, La Vérité sur Rocambole. Mas era tarde demais para quem já não sabia em que acreditar.

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