Os que faltam na Mesa da Consoada

Creio não ser o único que não gosta do Natal. Aquela data mítica da minha infância, rodeado dos pais e irmãs, modificou-se com o desenvolvimento da vida de cada um.

A vida não é estática, evolui e a cada natal temos motivos diferentes de os abordar. Os irmãos dispersam-se, qual passarinhos a voar do ninho, criam a sua família, adoptam outras e tudo se modifica. Se é bom ou não, é a realidade, e isso é muito questionável, o que sei é que não é a mesma coisa. Há, nesta data, um sentimento de nostalgia que está irmãmente impregnado.

O que guardamos e registamos da nossa meninice, para sempre, são estes momentos que são únicos, puros, imaculados. Ali, nessa idade, tudo é puro, perfeito, mas muito inocente. Nem imaginamos os sentimentos dos nossos pais em relação a esta data, nem as freimas que eles tinham.

As crianças vivem o momento. E esse momento, o meu, foi da maior simplicidade, mas, por outro lado, da maior riqueza e amor. Vivíamos num ninho que achamos perfeito. E era.

As prendas, quase não existiam, a não ser um bom par de meias de lã de ovelha, laboriosamente, feitas à mão, pelas minhas irmãs, e evidentemente a doçaria típica do momento.

Mas o momento mais sublime era o de, ao fim da refeição, pôr uma pinha a crepitar na lareira, sentir aquele odor maravilhoso a espalhar-se pela cozinha, enquanto o meu irmão, mais velho, com um canivete esculpia um Rapa, para jogarmos aos pinhões. Ele que tem mais sete anos que eu. Era o momento de uma maior aproximação e intimidade. Íamos debulhando a ou as pinhas, para termos os pinhões para o jogo. Os meus Pais, contavam natais de outros tempos, vivências com outras famílias como que um aviso do que, um dia, nos esperava. E nós bebíamos aqueles momentos com sofreguidão, calmamente porque a vida, por esses tempos, movia-se em família no seu núcleo mais restrito e não passava além daquelas paredes.

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Lá fora o silencio da noite era total e absoluto. Na rua só andariam os pobres e os vagabundos, diziam. Aquela noite era da e para a família.

Mas registamos estes momentos, os nossos.

E, na evolução da vida, muitos familiares daquele núcleo restrito, começaram a “faltar” na mesa da Consoada, ano após anos. Muitas vezes as cadeiras são ocupadas por outros e a vida vai-se animando e renovando, ilusoriamente.

Mas, como não há renovação na família, há um momento em que essas cadeiras ficam, mesmo, vazias, literalmente.

E o choque de realidade é inevitável. Já são muitas as cadeiras vazias, são demasiadas pessoas que faltam nessas cadeiras. Pessoas que, muito amamos e que deixaram as suas cadeiras para ninguém. Mas a nossa memória regista, em silencio, as mesmas. Pessoas que deixaram as suas marcas que, quer queiramos, ficaram de forma indelével nas nossas vidas.

E como não há volta a dar, o melhor e é não ignorar esta data, mas tirar dela o melhor partido

possível. Há sempre alguém, presente, na mesa de Consoada, que nos ame e que nós amamos e só por isso, já é motivo suficiente para estar feliz.

 

(José Venade não segue o actual acordo ortográfico em vigor)

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* O autor não segue o acordo ortográfico de 1990

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1 comentário

  1. O natal é festa das famílias, unida ou não se reúnem. Teve um tempo que ficava triste ao chegar esta noite. Depois veio a compreensão que era apenas nostalgia, lembranças de quem se foi. Ultimamente venho compreendendo que sempre existirá alguém para ocupar a cadeira, á mesa. Este ano tivemos dois novos membros na família, minha Neta e um sobrinho que passaram seu primeiro natal conosco. Eu a avó estava lá… daqui a alguns anos, quando não estiver mais em mim, outra avó o ocupará a mesa.

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