Primícias Literárias: Tique taque

[[{“fid”:”62407″,”view_mode”:”default”,”fields”:{“format”:”default”,”alignment”:””,”field_file_image_alt_text[und][0][value]”:”Daniel Jorge Pinto”,”field_file_image_title_text[und][0][value]”:”Daniel Jorge Pinto”,”external_url”:””},”link_text”:false,”type”:”media”,”field_deltas”:{“1”:{“format”:”default”,”alignment”:””,”field_file_image_alt_text[und][0][value]”:”Daniel Jorge Pinto”,”field_file_image_title_text[und][0][value]”:”Daniel Jorge Pinto”,”external_url”:””}},”attributes”:{“alt”:”Daniel Jorge Pinto”,”title”:”Daniel Jorge Pinto”,”height”:”173″,”width”:”170″,”class”:”media-element file-default”,”data-delta”:”1″}}]]

Daniel Jorge

Estudante

w

Caminhava na rua de passo apressado, tal como todos os outros que caminhavam.

w

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

Era algo habitual naqueles tempos. Não se podia gastar minutos, quanto mais uns valiosos segundos, e por isso mesmo caminhava, quase corria. Porém, correr era um sinal de desespero e dependência do tempo, algo muito mal visto.

w

Portanto, nem se podia correr, mas também não se deveria andar devagar, já que isso implicaria que o andante seria alguém que desprezava o que lhe era dado, sinal de egoísmo e, mais uma vez, muito mal visto.

w

Não me posso esquecer de mencionar que cada indivíduo usava um relógio de bolso. Era quase um acessório obrigatório. Para um utilizador do tempo, era sempre necessário poder controlar este mesmo. O tique taque artificial, mas satisfatório, nunca poderia ser deixado. Era usado em todas as situações. Sempre bem posto no bolso de cada um, era retirado com a mesma rapidez e automação de sempre para verificar as horas.

w

Num dia em que o tempo estava encoberto, e era difícil prever com o relógio se iria chover ou não, o homem caminhava pela mesma rua. O motivo não interessa. Mas, tal como ele, todas as pessoas faziam o mesmo percurso autómato, rotineiro, diário. E a chuva apareceu. Ninguém esperava o dia ser de chuva, até porque quase nem nuvens havia no céu. Era mesmo sobrenatural, uma chuva torrencial sem quaisquer nuvens espessas ou cinzentas no céu. Pode-se dizer que cada pessoa que assistiu a este fenómeno perdeu uns importantes cinco segundos como reação para parar e olhar o céu ou elevar a mão numa tentativa de verificar mesmo se se sentia a chuva.

w

O senhor em questão travou os pensamentos do tempo para refletir no seu estado. Estava molhado e a água fazia-o ficar desconfortável com a roupa que tinha por cima. Se ao menos tivesse um guarda-chuva… então, num impulso, começou a correr. Correu desenfreadamente, não pensando nas consequências e no facto de ter muitos pares de olhos focados no seu movimento de aparência desesperada.

PUB

w

Pode-se afirmar que, no dia seguinte, o senhor já não tinha trabalho, já não tinha rotina. Tinha-se tornado dependente do tempo, isto na visão das testemunhas. Estas, ofendidas, foram denunciar o senhor à polícia. Confiscaram os bens e obrigaram a empresa onde ele trabalhava a despedi-lo por motivos de reputação, obviamente.

w

Passou a viver como um mendigo. Sim, era esse o destino dos que o tempo foi mal-usado. O único bem que lhes era deixado era o relógio de bolso, não como réstia de dignidade, mas como lembrança das más ações que foram antes feitas pelos donos.

w

O senhor passava então a vida num sossego permanente. Já não usava o relógio nem controlava o tempo de qualquer forma, mas acompanhava-o na sua lentidão. Sentia-se completo, a viver como errante sem as limitações temporais. Vivia do pouco que arranjava ao pedir e caminhava numa lentidão eterna, não de desprezo ou egoísmo, mas de plenitude e alívio.

w

Noutro dia em que estava somente sentado na mesma rua em que costumava caminhar todos os dias, a ver as pessoas a andar no seu passo rápido, olhou o céu. Estava um dia de sol, limpo, sem qualquer vestígio de nuvens. “Hoje, vai chover”, pensou ele. E não é que a chuva apareceu alguns minutos ou segundos depois!

  Partilhar este artigo