NOTA PRÉVIA.
Define-se a cultura como o conjunto de registos que acumulamos ao longo da existência. Ela constitui, enfim, boa parte do que somos
enquanto seres humanos civilizados, e é o que regula a nossa relação com a sociedade e a comunicação com o nosso semelhante.
Da cultura depende ainda a forma como convivemos connosco próprios; as reflexões e os pensamentos que nos tomam no dia-a-dia.
Todavia, o que seria do ser humano sem o sonho, ainda que este seja povoado de utopias? E não só enquanto dorme o ser humano sonha,
esse estado acontece frequentemente enquanto vive o seu quotidiano e funciona como o seu recreio espiritual, tão necessário
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à auto regeneração do seu intelecto cada vez mais sobrecarregado pelo excesso de informação que incessantemente vai recebendo.
A propósito, lembro um dos meus sonetos que titulei: SEM SONHO, A VIDA É MORRER.
E já que falamos de UTOPIA, ouçamos o que o escritor uruguaio Eduardo Galeano nos diz sobre ela, com o encanto que lhe conhecemos:
http://www.youtube.com/embed/rpgfaijyMgg
Depois, convido-vos a cogitar comigo sobre este maravilhoso “delírio filosófico” do homem.
Leiam-me abaixo. Creio que vale a pena que pensemos em conjunto sobre esta aliciante temática.
Resgatando a utopia
Será que as novas gerações desta civilização conseguirão ainda reunir vontade e forças que, consertadas e potenciadas com novas tecnologias, e outras que porventura despontem, possam conduzir a sociedade para um estado de perfeição?
PUBQuando pensamos numa organização social perfeita relativamente a uma cidade, a um país, ou alargada à escala mundial, será que estamos a ser puramente utópicos? Entenda-se por utopia a ideia de uma civilização ideal, imaginária, fantástica. A palavra foi inventada na Grécia antiga e significava então o “não lugar” ou “o lugar que não existe”.
Muitos anos depois, em 1516, o inglês Thomas More serviu-se da palavra utopia para titular uma das suas obras escritas em Latin.
Fascinado pelas extraordinárias e apaixonantes narrações do navegador florentino Américo Vespúcio sobre o avistar da ilha de Fernando Noronha, em 1503, More decidiu então escrever sobre um um lugar novo, purificado, onde existiria uma sociedade perfeita. “Uma ilha onde reina uma paz total e uma harmonia de interesses, resultado de sua organização social”. Nessa ilha, foi eliminado por completo o conflito e as suas potenciais possibilidades de materialização. Em geral, a evolução da teoria define a comunidade utopiana como uma sociedade perfeita em sua organização e completamente equitativa na distribuição dos – porventura escassos – recursos.
O utopismo, ou utopia, consiste na percepção intelectual – tida por fantasiosa pela comunidade – ao conceber em espírito, não apenas um lugar mas um vida, um futuro, numa visão diferente, optimista, muitas vezes completamente inversa à do mundo real e, portanto, absurda.
As visões politica, económica, social ou religiosa da utopia são, naturalmente, diferenciadas mas, pelo menos num aspecto, inequívocamente coíncidentes: todas são permissivas à ideia da necessidade da fantasia do ser humano, da sua capacidade poética de sonhar, como se, sem ela, o homem se descaracterizasse como tal.
“A utopia é uma versão alargada de uma manhã possivel”, disse-o Alberto Mendoza de Morales. Na realidade, ela consiste num plano, numa doutrina, numa projecto, sempre ambicioso mas irrealisável, por absurdo, face às cautelas conservadoras das convenções em uso para o desenvolvimento da sociedade. Todavia, reconhece-se que sendo a utopia uma ideia antecipada, ela é incitante, desafiadora, rumo à mudança, e sem mudanças substanciais não há desenvolvimento.
No entanto, a natural resistência à mudança cria uma controversia, essa sim contraditória, porque totalmente contrária à exposta lógica. Numa comunidade, num país, não haveriam mudanças sem uma arriscada ponta de utopia, mesmo com alguns passos ainda que hesitantes dados no sentido do risco menos calculado. É essa rebeldia ao conservadorismo caduco e imobilista que pode operar autênticos milagres na economia de um país ou de uma região económicamente comunitária.
Assim temos visto operar alguns países que conseguem emergir do anonimato político-económico para se tornarem nações progressistas, em vias de desenvolvimento. Digamos que essas forças renovadoras e inconformistas souberam ver e responderam ao apelo de outros mais prósperos horizontes e foram felizes na sua aventura a caminho do futuro. Pode, no entanto, ocorrer o inverso; o malogro da exequilbilidade de uma proposta temerária que resvale na irresponsabilidade, com os nefastos resultados daquilo que então será chamado de “fracasso aventureirista”, o pelos mais conservadores e que levará inevitavelmente os seus autores à punição com um afastamento coercivo dos circulos do poder, por largo tempo.
Mas, o que seria um plano de desenvolvimento sem objectivos ambiciosos, sem uma proposta de metas dificeis, ou mesmo consideradas “impossiveis” pelos cínicos defensores do imobilismo rotulados de cautelosos? – Uma monotonia, certamente não mobilizadora de vontades, de trabalho e de talento para as levar por diante. E um governo de gente inerte e calaça tem os seus dias contados. O rotinismo, a inação e a preguiça são a negação do arrojo da projecção para a frente, nem fazem brotar ideias força essenciais à resolução de problemas que ajude a melhorar as condições de vida das populações. O país onde isso ocorra é um país travado e invariavelmente a caminho de um dramático descalabro.
O homem tem de sonhar, de assumir a sua fantasia para empreender, para se transcender, para fazer que a sua vida e a dos que dele dependem valha a pena ser vivida, tal como o Criador o pensou. Resgatemos, pois, a utopia e sejamos orgulhosos de a haver resgatado.