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Transladação dos restos mortais de D. Júlio Tavares Rebimbas para Viana do Castelo

Trasladação de D

Leitura integral da Homilia no passado domingo da Solenidade da Epifania do Senhor na Sé Catedral, nas palavra de D. Anacleto Oliveira, Bispo de Viana do Castelo.

 

Fotos: Marisa Ribeiro

1. Antes de mais, uma palavra de saudação e gratidão para todos vós: 

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– Primeiramente para os que vêm de fora da Diocese, a começar pelos Senhores Bispos, como responsáveis, que são ou que foram, de outras Igrejas diocesanas. E com eles os sacerdotes e diáconos, religiosos ou religiosas e fiéis leigos, a maioria talvez proveniente de Dioceses em que o Sr. D. Júlio exerceu o seu ministério presbiteral ou episcopal: Aveiro, Algarve, Lisboa e Porto. E, entre eles, destaco os que mais privaram com ele por laços de família, colaboração ou amizade. Obrigado pela vossa presença. 

– Uma palavra de saudação e gratidão também para todos vós que viveis ou trabalhais na Diocese de Viana do Castelo: autoridades autárquicas e académicas, militares e policiais; representantes de outras instituições; e, finalmente, sacerdotes e diáconos, seminaristas, religiosos e religiosas e todos os outros fiéis leigos desta Diocese que hoje celebra um aniversário muito especial. 

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2. Sim, faz hoje, dia da Solenidade da Epifania do Senhor, 40 anos que nasceu a nossa Diocese. E mais ou menos a esta hora. É verdade que a bula da sua criação data de 3 de Novembro de 1977. Mas a bula começou a ser executada com a entrada do primeiro Bispo. Por isso, ao período de tempo de 3 de Novembro a 8 de Janeiro seguinte (a data de Epifania do Senhor nesse ano) – a esse tempo podemos chamar de “gestação”. O “nascimento” deu-se com o início do ministério do seu primeiro Bispo. Sem Bispo não há Igreja diocesana. 

São especiais estes primeiros quarenta anos, porque com eles se encerra o período fundacional da Diocese. Tento mostrar isso mesmo na carta pastoral “Somos Igreja que agradece”, escrita para nos ajudar a celebrar condignamente este aniversário. E foi nesse sentido que a Diocese decidiu, não apenas que os restos mortais do seu primeiro Bispo fossem transladados para ela, um desejo aliás expresso pelo Sr. D. Júlio, mas que a transladação se realizasse exatamente neste dia. 

Queremos assim, tanto quanto possível, reviver esse momento único na vida da Diocese: reviver a transbordante alegria que nesse dia se sentiu; reviver a esperança e o entusiasmo que então a todos animavam e se prolongaram pelos anos seguintes, principalmente os cinco em que o Sr. D. Júlio esteve à frente da Diocese. É um pouco como nas celebrações litúrgicas de acontecimentos decisivos para a vida do povo de Deus: todas essas celebrações são memoriais atualizantes das graças e da vida transmitida nesses acontecimentos. 

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E, então, que podemos nós receber do Sr. D. Júlio neste dia em que ele regressa à Diocese, pela qual se deu e à qual deu vida? Que pode ele dizer-nos, ou voltar a dizer-nos, para o tempo que se segue ao ciclo fundacional, o tempo que estamos a iniciar? 

3. “Isto vai!”. Estas palavras eram, segundo me contaram, das que mais se ouviam do Sr. D. Júlio, nesses primeiros anos em Viana do Castelo: “Isto vai!”. Duas palavras, com sete letras apenas. Mas que, a meu ver e segundo o testemunho de quem lhas ouvia, exprimiam muito, talvez tudo o que ia na alma do Sr. D. Júlio, perante dificuldades e problemas com que diariamente se deparava. 

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E, como facilmente podem imaginar, eram muitos. Como aliás acontece no período fundacional de qualquer instituição. Foram tempos duros, pelo empenho e trabalho, a imaginação e criatividade, a paciência e persistência que exigiam. Mas, pelas mesmas razões, foram também tempos entusiasmantes. 

Todos nós precisamos de desafios, para crescermos e vivermos. É nessas alturas que fazemos das tripas o coração. É nessas alturas que mais facilmente nos unimos uns aos outros, condição essencial para vivermos. É nessas alturas que nós, enquanto crentes, mais precisamos de recorrer ao Autor da vida, ao Deus que nos quer dar a vida, mas não nos dispensa de lutarmos por ela. Pelo contrário, os meios e as graças que Ele nos dá, que só Ele pode dar, servem acima de tudo para não nos deixar desanimar, desistir perante as contrariedades com que deparamos. 

“Desistir” é uma palavra que não pode fazer parte do vocabulário cristão. A não ser precedida de um “não” ou seguida “do mal”. Juntando as duas: só é cristão “não desistir de desistir do mal”. Desistir de lutar pelo bem, pela vida, nunca. Se Deus permite ou quer mesmo que nessa luta enfrentemos obstáculos, é porque sabe que desses obstáculos e, por vezes, até fracassos, se pode obter mais vida. Desde que os enfrentemos em união com este Deus a quem tudo é possível – mas sempre pela via do amor, da entrega e partilha de vida, da união de corações e esforços. 

4. “Isto vai!era, por isso, na boca do Sr. D. Júlio, a expressão mais simples, mas também mais completa de tais sentimentos tão cristãos: a expressão de uma fé profunda no Deus da vida; de uma esperança inabalável que essa fé provoca em nós nos momentos mais difíceis; de uma caridade que nos leva a aproveitar tais situações para nos darmos ainda com mais intensidade e contribuirmos para criar mais vida, pela vida que damos. 

Por isso, dizer “isto vai!”, ou pelo menos senti-lo, foi o que fizeram inúmeras outras figuras na milenária história do povo de Deus. Apenas alguns exemplos que o dia e a festividade nos sugerem: 

“Isto vai!” foi o que certamente sentiram duas das pessoas que mais contribuíram para a existência desta Diocese: o Papa Beato Paulo VI, não tanto pela promulgação da bula com que fundou esta Diocese, como sobretudo pelas reformas da Igreja por ele lançadas a partir do II Concílio do Vaticano e que tantas dificuldades e dissabores lhe causaram; séculos antes, foi o Beato Bartolomeu do Mártires, não só pelo que deu e se deu por Viana do Castelo, até hoje, mas também e sobretudo pelas reformas que também ele, a partir de um Concílio, o de Trento, procurou aplicar na sua Arquidiocese e Província Eclesiástica de Braga e que também tantos dissabores lhe causaram. Duas figuras da Igreja que, até pelo modo cristão como aproveitaram tais contrariedades, esperamos ver em breve no cânone dos santos. Ainda que, para isso, tenhamos também nós de repetir: “Isto vai!” 

“Isto vai!” – foi certamente o que, muitos séculos antes, sentiram os Magos de que nos fala o Evangelho deste dia. Perante a descoberta daquela “estrela” especialmente brilhante do Messias, puseram-se a caminho a partir do longínquo Oriente. Uma estrela que lhes desapareceu em Jerusalém. Mas não desistiram. Reencontram-na depois da necessária e arriscada consulta a Herodes e seus conselheiros. E talvez por isso, foi ainda maior a sua alegria quando voltaram a ver a estrela e depois entregaram os presentes ao Menino, com Maria sua Mãe. Presentes que, pelo valor, eram expressão da entrega de fé, a mesma fé que depois os guiou por outro caminho no regresso à sua terra. 

5. “Isto vai!” – foi enfim o que sentiu aquele Menino de Belém, anos mais tarde e já bem adulto, sobretudo quando se repetiu a tentativa do rei Herodes de lhe tirar a vida. Só que então com êxito. Mas, em vez de desistir e fugir perante aqueles que lho fizeram, procurou força junto do Pai: “Se é possível, aparta de mim este cálice; mas não se faça como Eu quero, mas como Tu queres” (Mt 26,39). Três vezes a mesma entrega pela oração. E valeu a pena: foi do Pai que Ele recebeu a energia de que tanto precisava para fazer a sua vontade. Que vontade? Não a morte terrível e ignominiosa da cruz, mas o amor extremo com que nela entregou a vida e triunfou definitivamente sobre a morte. 

Foi desde então que a sua “estrelairradiou, de facto, para toda a humanidade – até hoje, até aqui, a este lugar em que nos encontramos e em que Ele nos vai oferecer, no seu Corpo e no seu  Sangue, a energia vivificante de que precisamos para dizermos e pensarmos como o Sr. D. Júlio há quarenta anos: “Isto vai!” 

Estamos numa fase da vida, não só desta Diocese, mas de tantas outras no País e até no mundo em que reformas a fazer, rumos novos a encetar na Igreja. Caminhos já propostos pelo II Concílio Ecuménico do Vaticano e reforçados pelos Papas desde então, até ao Papa Francisco. Caminhos que nos conduzam ao Menino de Belém, para com Ele nos encontrarmos e a Ele nos entregarmos. Só assim a sua estrela, o seu amor se tornam mais visíveis na sua Igreja e, por meio dela, no mundo que tanto precisa da luz e do calor desse amor. 

Obrigado, Sr. D. Júlio. E esteja descansado: Com Jesus Cristo, isto vai!” 

† Anacleto Oliveira (Bispo de Viana do Castelo) 

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