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Alberto Rego, o ‘Senhor Folclore’

“Os jovens são a maior riqueza de um país e são eles quem, generosamente, mais têm trabalhado para o sucesso do GEA” – diz-nos com um invulgar brilho nos olhos  e uma firme convicção do peso de cada palavra que, aliás, é notada ao longo da entrevista.

Fazendo recurso de um lugar-comum, bem poderemos dizer que Alberto Rego dispensa apresentações. Há 50 anos ligado ao folclore, por quase tudo passou, já quase tudo fez e, com maior ou menor responsabilidade, imensos cargos desempenhou. A cultura tradicional, Viana e os areosesenses muito ganharam, mercê do seu entusiasmo e abnegado desempenho.

Ouvi-lo, para nos falar de um percurso que trilhou com prazer, era uma obrigação. Não se fez rogado e deixou-nos um testemunho recheado de factos, evidências e boas curiosidades, que dá prazer conhecer e nos ‘prende’. Orgulha-se de ter dado um contributo para a promoção da cultura popular, nada despiciendo. Gostava de ter feito mais, mas reconhece que os poderes, por vezes, estão mais interessados em ser travão e menos apostados em ser cooperação. Também pensa que tudo tem o seu tempo e que está na altura de ser menos ator e mais espectador, mas sempre com o objectivo de boa reserva. Esperemos, pelo menos, que o seu sentido de cidadania não esmoreça e que a sua experiência de décadas continue a ter o melhor préstimo.

 

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Minho Digital (MD) – O GEA, em 2016, fez 50 anos de vida, com um percurso de grande notoriedade, ao ponto de estar hoje considerado como um dos melhores Grupos etnográficos do país. Foste um dos fundadores desta emblemática instituição e estás há 40 anos na sua presidência. Depois de um caminho tão longo, onde o brilho e o esplendor se foram acentuando, com tanto envolvimento da tua parte, sem esquecer outros que te secundaram, qual é a sensação que prevalece? 

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

Alberto Rego (AR) – Fico feliz quando ouço dizer que o Grupo Etnográfico de Areosa (GEA) é um dos melhores do país. Quando o grupo nasceu, a realidade da juventude de então era muito diferente da de hoje, mas sinto um orgulho enorme por este projeto fazer tanto sentido aos jovens de hoje, como fez aos de então, e de estes verem reconhecido, tanto nacional como internacionalmente, o seu trabalho. De qualquer forma, apesar dos anos, ainda sinto que há muito por fazer para conseguirmos elevar o património cultural que nos legaram quer oralmente quer por escrito. Penso, de forma muito especial, em Abel Viana.

 

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MD – O trabalho do GEA em prol de Areosa tem sido ilimitado, não só na divulgação dos usos e costumes da freguesia e na cultura em geral – onde o canto e as danças têm a sua quota-parte de importância -, mas também na mobilização de gerações sucessivas de jovens, que muito se enriquecem social e culturalmente. Sentes que Areosa vos está grata?

AR – Sinto que Areosa tem acompanhado com muito carinho o percurso do GEA. Sinto isso de várias formas: no cantar das janeiras de porta em porta, na atenção que as pessoas nos dedicam sempre que nos apresentamos “em casa”, na afluência às atividades realizadas na nossa sede, nos inúmeros pedidos de colaboração que recebemos das várias associações da freguesia, entre outras.

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Os jovens são a maior riqueza de um país e são também os jovens quem mais tem generosamente trabalhado para o sucesso do Grupo. Felizmente, passados todos estes anos, posso concluir que muitos dos que já passaram por este agrupamento assumem hoje lugares de responsabilidade na nossa sociedade, não esquecendo o que aprenderam no GEA, e que sem dúvida os tornou melhores cidadãos, mais tolerantes e mais magnânimos.

 

 

MD – O GEA hoje é uma instituição que vai muito além do âmbito do folclore, Já que a sua intervenção na vida cívica, cultural e social em geral é intensa. Concretamente, o que é a vida do GEA?

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AR – Depois de um 2016 carregado de realizações, podemos afirmar que 2017 está na mesma senda e que é preciso ter uma estrutura muito bem alicerçada para resistir a tanta solicitação.

Claro que nem todas as iniciativas implicam exibição do Grupo. Refiro-me, por exemplo, aos inúmeros ensaios, às escolas de formação e lazer com cursos de verão e inverno na nossa sede, ao acolhimento de outras associações, às várias parcerias com as escolas do ensino básico, secundário e superior, ao projecto editorial, com lançamento regular das publicações do Dr. António Viana – e outras em estudo –, às tertúlias tão necessárias para a partilha de saberes e que têm sido importantíssimos contributos para alimentar a vida desta associação de utilidade pública, entre outras atividades.

 

 

MD – O reconhecimento do GEA no plano internacional foi sempre uma evidência. Sempre muito requisitado para se deslocar a todas as partes do mundo, vencedor de festivais, prestígio revelado no enquadramento das instâncias internacionais do folclore, etc. Como é viver com toda esta vida ativa, tanto mais que exige sempre mais e mais responsabilidade?

AR – O GEA ganhou projeção nacional e internacional há muitos anos porque, ao longo da sua vida, foi cimentando credibilidade, uma vez que sempre honrou os seus compromissos e sempre se apresentou de forma pensada e trabalhada, e esse é o lado mais cativante.

Reconheço que, pessoalmente, também ajudei de alguma forma a que isso fosse uma realidade, uma vez que eu próprio fui chamado a assumir cargos de responsabilidade no CIOFF e no FIDAF, mas é a qualidade que o grupo demonstra num determinado festival e o seu “saber estar” que leva a que seja convidado para outros festivais.

Temos contudo algumas razões de queixa e lamentamos profundamente termos sido vítimas de uma profunda injustiça, com consequências internacionais imprevisíveis: O CIOFF Portugal lançou um processo de candidatura para a participação de um grupo português na 5ª Folcloriada no México, a que nenhum grupo se candidatou por falta de verba.

A 28 de julho de 2015, o Grupo Etnográfico de Areosa recebeu do professor Alcides Hugo Ifrán, Presidente do Comité para Folkloriada Mundial do CIOFF, uma mensagem de correio eletrónico onde se podia ler: “O CIOFF Portugal informou, a 1 de abril, que nenhum grupo português estava disponível para participar na 5ª Folkloriada.” E, concluindo, dizia ainda que “muito se lamenta que um país com uma riqueza tão importante e variada no âmbito da cultura tradicional, para além de membro fundador do CIOFF, não esteja presente.”

Ainda nesta mensagem, também se dizia que “no uso de faculdades próprias e de acordo com o combinado na Assembleia Mundial em Bautzen, na Alemanha, reconhecendo-se a qualidade artística e humana do Grupo Etnográfico de Areosa”, este era convidado a representar Portugal na 5ª Folkloriada.   

Após receber esta mensagem, enquanto Diretor do GEA, a 31 de julho de 2015, eu próprio respondi dizendo que o GEA ficava muito honrado com o convite, mas não possuía os meios financeiros necessários para se deslocar a Zacatecas, México, a fim de participar no referido evento mundial.

Na altura, o GEA solicitou que o próprio Presidente do Comité fizesse chegar ao Governo de Portugal e à Câmara Municipal de Viana do Castelo (CMVC) o conteúdo do referido correio eletrónico, reforçando o convite ao GEA e solicitando que estes disponibilizassem os meios necessários para a sua concretização.

A Chefe de Gabinete do então Primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, respondeu ao GEA a 25 de setembro dizendo que o “assunto foi transmitido ao Gabinete do Secretário de Estado da Cultura”. A CMVC não deu qualquer resposta ao Grupo.

Seis meses depois, e sem nenhum contacto sobre o assunto, quer do Governo de Portugal (que entretanto caíra) quer da CMVC, na Assembleia Geral do CIOFF Portugal, realizada em Corredoura, Guimarães, a 12 de março de 2016, o representante do Grupo Folclórico de Santa Marta de Portuzelo anunciou publicamente que tinham recebido convite da Sra. Vereadora da Cultura da CMVC, Maria José Guerreiro, para estarem presentes na 5ª Folkloriada no México, com apoio financeiro para tal.

Os jovens integrantes do Grupo Etnográfico de Areosa, estando naturalmente honrados com o convite que lhes tinha sido feito, tiveram de aceitar a decisão da autarquia, mas, muito naturalmente, não a compreenderam.

 

 

MD – O GEA tem sabido, de forma hábil, renovar-se permanentemente, sempre com novas gerações que preenchem bem o espaço deixado por gerações anteriores. Como se vai processando esta renovação?

AR – Essa é uma das grandes vitórias do GEA: a sua renovação constante. A Direção Artística do Grupo tem sabido compreender o ritmo de vida e as constantes solicitações das atuais gerações e tem sabido ultrapassar alguma falta de disponibilidade, nomeadamente devido aos estudos a nível superior, levando muito a sério os projetos de ensino para os mais jovens. Assim, sempre que uma geração está no ativo, outra está já a ser preparada, dando desta forma oportunidade aos mais novos para mostrarem o que sabem fazer integrando os seus próprios saberes ao nível da dança, da música ou do teatro, por exemplo, nos projetos do GEA.

 

 

MD – Recentemente o vosso Grupo foi brilhante na Lituânia, arrecadando três primeiros prémios – entre eles o prémio de melhor Grupo – num festival recheado de grandes Grupos oriundos de países diversos. É o reconhecimento de um valor que por cá, aparentemente, alguém aposta em não vos atribuir?

AR – Felizmente muitas pessoas e instituições portuguesas reconhecem o valor do trabalho desenvolvido por este agrupamento, como se pode verificar pelas centenas de convites que o GEA tem recebido e que naturalmente não pode sempre aceitar.

Recentemente fomos distinguidos por dois prestigiados clubes locais: o Lions Clube de Viana do Castelo homenageou o GEA pelos seus 51 anos de atividade ininterrupta, realçando não só a jovialidade deste agrupamento, como a sua dinâmica intervenção na comunidade vianense, e o Rotary Cub de Viana do Castelo distinguiu o GEA com o Certificado de Reconhecimento Paul Harris.

Graças às redes sociais, também temos sido contactados por portugueses espalhados pelo mundo que seguem o nosso trabalho e que nos parabenizam a cada pequeno ou grande sucesso.

 

 

MD – O GEA fazia parte de uma estrutura muito profissional que organizava o Festival Internacional de Folclore do Alto Minho, tendo, consecutivamente, realizado 20 edições e sempre em crescendo, sendo considerada como uma iniciativa de vulto na região. Entretanto a estrutura que levava a cabo esta grande iniciativa, com meios e logística de vanguarda, foi arredada do processo, sendo o XXI Festival, pelo que se vai ouvindo na praça pública, um simulacro do que vinha acontecendo. O que se passou, afinal?

AR – Orgulho-me do trabalho desenvolvido nos 40 anos de Direção do GEA, de quase 25 anos de Direção da AGFAM e 20 de Direção do FFIAM. Infelizmente, não foi apenas o FFIAM que se municipalizou ou politizou. O mesmo aconteceu nos últimos anos à organização das Festas da Senhora d’Agonia… e a atual Vereação cedo resolveu terminar com dois outros Festivas nascidos no seio da AGFAM (o Nacional e o das Comunidades Portuguesas). 

O Festival Internacional trouxe a Viana do Castelo mais de 50 nações em 20 anos, uniu os componentes dos vários Grupos recetores (7 em 2016), e elevou a qualidade desses mesmos grupos, criando-lhes a oportunidade de verem agrupamentos de elevadíssima qualidade. Para além dos diretores destes 7 Grupos, a Comissão Executiva incluía, ainda, um valioso grupo de voluntários de vários quadrantes da sociedade.

O contributo dos sete Grupos de acolhimento que alojavam os Grupos estrangeiros e a ajuda dos seus componentes (“voluntários culturais”) na organização do Festival, bem como a boa vontade de particulares e entidades diversas fizeram com que as dificuldades financeiras que sempre se colocam nestas iniciativas fossem razoavelmente superadas. É bom que se saiba que o Festival Internacional do Alto Minho, na gestão municipal de Defensor Moura, recebia 37.500 € e que, com a crise que entretanto se instalou, este apoio desceu para 26.000€, para se fixar, posteriormente, nos 23.400€. No entanto, o Festival continuou a evoluir e a cumprir os seus propósitos, entre eles o de encerramento do ciclo de Festivais CIOFF em Portugal, o que já não acontecerá em 2017. 

Em 20 anos, o Festival só teve um ano de saldo negativo, mas logo reposto no ano seguinte. Curiosamente, para 2016, a organização foi informada que o apoio para a iniciativa era de 26.000€. Contudo, depois de realizado e das contas feitas, possivelmente a preparar o futuro (já sem a mesma comissão executiva), a Direção do Festival foi informada de que afinal o apoio passava a ser de 30.000€.

 

 

MD – Viana do Castelo vai continuar a ser a capital do folclore, ou há razões para descrer, perante forças ocultas que, aparentemente, estão apostadas em desvalorizar este património?

AR – O Património Cultural Local é tão rico e relevante para a identidade dos Vianenses e dos  Portugueses em geral que nunca Viana do Castelo poderá deixar de ter a importância que tem.

Penso que o segredo para que este movimento nunca morra está no trabalho grandioso realizado com vertentes como a formação e a qualificação das estruturas; de incentivo a novas formas de expressão artística; de produção e de divulgação cultural; bem como no cruzamento entre as várias áreas criativas: o teatro, a música, a dança e a confeção das indumentárias, entre outros exemplos.

 

 

MD – A Romaria da Senhora d’Agonia, a mais vibrante Romaria de Portugal, tem nos Grupos Folclóricos o seu melhor parceiro. Sem o trabalho abnegado destes, as Festas não tinham dimensão. Não temos vindo a assistir à secundarização dos Grupos Folclóricos, com prejuízo das Festas?

AR – Todos sabemos que os Grupos Folclóricos têm sido um pilar fundamental das Festas da Sra. d’Agonia e na afirmação dos valores e identidades culturais locais. Ao que temos assistido nos últimos anos é à vontade de politizar tudo o que o movimento das Festas tinha de mais rico, generoso e qualificado, ou seja, o contributo dos Grupos Folclóricos, sem esquecer no entanto os inúmeros particulares que de forma espontânea sempre participaram nas suas Festas. Ora, o que acontece é que esta forte componente das Festas conta cada vez menos.

Conheço a história de cem anos das Festas e participo nelas há mais de 50. A denúncia atempada do perigo da sua municipalização foi feita pela Associação de Grupos Folclóricos e por voluntários com dezenas de anos de trabalho em prol da “Romaria das Romarias”, mas esta tendência não mais parou.

Infelizmente, até nos cartazes os vianenses deixaram de se identificar. O cartaz do ano de 2016 mostrava um traje que, pelas cores e qualidade dos materiais, nada tem a ver com a tradição. Por sua vez, em relação ao deste ano dizem ser representativo do traje de Areosa. Todavia, a esmagadora maioria das mulheres de Areosa não se reveem no modelo, porque a figurante não expressa a cultura do trajar de Areosa, mas sim o de outras terras da região.

A secundarização do trabalho dos Grupos pode ser confirmada em dois documentos tornados públicos: Na página 3 da Agenda Cultural, Programa das Festas 2017, as exibições dos Grupos, Associações que, dada a sua acção, preservaram e projetaram as tradições de Viana nas suas várias vertentes são pura e simplesmente omissas. Veja-se também o programa para o domingo das Festas deste ano. É bom perguntar por que se eliminaram as intervenções dos Grupos na avenida principal da cidade, frustrando a expectativa de dezenas de milhares amantes das Festas. Todas esta gente que foi defraudada estaria mais interessadas em assistir à Festa do Traje?

 

 

MD – Depois deste percurso de décadas ao Serviço desta imensa causa que é o Folclore, sentes-te com forças para continuar ativo, ou sentes vontade de moderar entusiasmos?

AR – Naturalmente que, num futuro próximo, preciso de me afastar deste movimento. É a lei da vida a impor-se no seu percurso normal. Para além da minha atividade profissional, tenho muitas outras ocupações enquanto voluntário, tais como o GEA, a AGFAM, o CIOFF, o FIDAF, etc, e isto obriga a um ritmo de trabalho impossível de manter: Mas, não posso deixar de reconhecer que isso tem sido para mim um complemento de vida muito enriquecedor. Felizmente, o trabalho que fui realizando contou sempre com o melhor apoio dos componentes do GEA e dos dirigentes da AGFAM, ajudando-me a ser rigoroso com o trabalho e resiliente na ação.

 

 

 

 

 

 

 

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