Bicadas do Meu Aparo: Cortes, senhas e filas

Artur Soares

Escritor d’ Aldeia

 

Sabe-se pela história que todo o século passado teve acontecimentos, onde, tantos, não gostaríamos de vivê-los hoje, sobretudo os de violência social, como guerras. Existiram tricas e nicas de vária ordem por todo o Mundo, bem como a primeira guerra mundial e a segunda, esta, do nosso tempo.

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Recordo perfeitamente de viver e de sentir na carne o rescaldo, bem vivo, da segunda guerra. Cresci nos “cortes”, com senhas na mão para fazer compras passando horas nas filas para ser atendido, uma vez que o dinheiro para comprar nos “mercados negros” não existia. Mais tarde, sem nunca prever e muito menos pensar, obrigaram-me a participar na guerra civil de Portugal, entre o Continente e o Ultramar.

Assim, já regressado (da guerra) em 1968, o meu vizinho, o Ti Geirinhas, analfabeto e agricultor, a propósito de guerras afirmou-me certo dia à sombra de um carvalho: “ Olha que a Alemanha de Hitler perdeu a guerra com as armas não mão. Mas não demorará muito tempo que há- de ganhar a guerra na Europa, mas com os bolsos cheios de dinheiro”. Mas isso será melhor ou pior? – Perguntei. – “Não sei responder a isso, pois não deverá acontecer no meu tempo”.

E passadas estas décadas do desabafo do Ti Geirinhas, temos a União Europeia formada, que teve como princípios fundamentais a construção da paz, o progresso, a democracia, a solidariedade e o respeito mútuo, entre outros programas de vida social. E com muito “dinheiro nos bolsos”, cá temos a Alemanha a dominar – porque o interesse é o poder e não o que se invocou para a existência da União Europeia – o Grupo Europeu, o Parlamento Europeu, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia e tudo que é europeu, porque, dizem, é preciso crescer economicamente, acabar com o desemprego etc. devido aos desafios não só da Ásia, mas também dos Estados Unidos. Eis a União Europeia!

Mas como os Gregos se portaram mal e parece que assim continuam – que malandros! – e é a Alemanha a sua (deles) principal credora – que não admite desvios nem brinca em serviço – que se cuidem, pois a sua (deles) caloteirice terá os dias contados.

O Reino Unido, raposa velha, com a mais velha democracia do Mundo, não subestimando nada nem ninguém, cola-se ao Governo Holandês que opina: “Europa quando necessário, nacional sempre que possível”.

Todo o Mundo já percebeu que a União Europeia não tem seguido o programa inicial: pensado, organizado e difundido há mais de três décadas. Vão distribuindo uns amendoins, sorrisos, palmadas nas costas aos subservientes, para que zelem os seus interesses económicos; subsidiando sectores para não produzirem e poderem vender todos os seus resultados de produção. Emprestam dinheiro para que se gaste, se arrote e se viva de colarinhos engomados nas lavandarias das principais cidades de cada um, de cada país.

Deste modo, assim nascem juros incomportáveis a pagar-lhes, assim nasce o capital selvagem que o Cristianismo e o bom senso condenam, assim nasce a guerra dos “bolsos cheios de dinheiro”, para, hipocritamente dizerem: “o que estamos e estaremos é preocupados com o povo Grego”. Agora o que não se admite mais é governos  “Siryzeiros comunistas”, o diabo que os ature.

Portugal que entrou na crise fabricada pelos “bolsos cheios de dinheiro”, bem como outros países, obedece cegamente às regras da União Europeia e não pensa como os Holandeses: “Europa quando necessário, nacional sempre que possível”. Recorde-se o Brexit inglês.

E então, decidem os nossos líderes de ocasião, que só alguns podem ter desempenhos de excelência. Que podem e devem acabar com os vínculos à função pública; que se pode estagnar na carreira de funcionários do Estado; que podem pagar menos a quem trabalha por mais trabalho; que podem fazer dos vencimentos e das reformas o que querem e, chamar “povo generoso e sofredor” aos rapaceados, etc. afirmando de seguida “vamos virar a página”; e seremos para todo o sempre os melhores alunos daqueles que fazem a guerra sem disparos de balas ou morteiros.

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Mas cuidado portugueses: Bertold Brechet anunciou as suas preocupações, a sua vivência, os seus lamentos, ao escrever: “Primeiro, os poderosos, esmifraram muitos operários, mas não me importei com isso. Eu não era operário; depois esmifraram nos desempregados, mas como tenho emprego, também não me importei; agora cadearam-me economicamente a mim, mas já é tarde. Como de nada me importei, ninguém se importa comigo”.

Se os imberbes políticos do país pensassem que muitos, amanhã, poderão não se importar com eles, mesmo que caídos numa valeta ou à sombra duma prisão, certos acontecimentos podiam ser diferentes! O mundo deste século está deveras modificado. Mas… está melhor ou pior?

(O autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico).

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