Com os ecos do terror e a visão dos escombros não há humanidade, muito menos poesia

Hoje vivemos a nossa vida entre noticias de guerras, de batalhas, as nossas, as que vivemos interiormente, e as outras, as que são a sério e matam pessoas.

E com o fragor, mesmo longínquo, das explosões não podemos pensar sequer – como a vida prevê – em fruir entre lençóis e sedas a beleza do amor no corpo nu de uma mulher.

Esses maus ventos volteiam entre as dobras da consciência colectiva, que já não encontra formas de acalmia.

 

Como considero como é fosca a luz do mundo

E quanto é vão e estúpido

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

O talento dos homens

Perdido entre o aço das armas.

Esta inutilidade hospedou-se em mim

E endureceu-me a alma

Cada vez mais curvada na sua forçada aceitação

ao negro horizonte do futuro.

Mas sei que não merecemos os céus

nem a visão das aves que insistem em voar

no cinza nebuloso das nuvens das explosões.

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Eugénio de Sá

Poesia

 

Com mágoa e nostalgia, cito a paz auspiciada por um grande escritor argentino:

 

(…)  “Um homem que cultiva o seu jardim, como queria Voltaire.

Aquele que agradece que haja música na terra.

O que descobre o prazer da etimologia.

Dois empregados que num café do Sul jogam um silencioso jogo de xadrez.

O ceramista que premedita uma cor e uma forma.

O tipógrafo que compõe bem uma página, que talvez não lhe agrade.” (…)

Jorge Luís Borges

in: OS JUSTOS

Poesia

Vivemos na ‘ sala de espera ‘ que escolhemos, e mudamos frequentemente de poltrona, procurando, quiçá, uma visão diferente da que se nos oferece a cada momento. Mas, não obstante, o jogo de sombras em que vivemos sempre  há-de contrastar com a luz que  adivinhamos lá fora.  E depois, o hermetismo da porta da ‘ sala’  que mantemos fechada, ajuda a que a sensação de um isolamento claustrofóbico  nos mantenha num perigoso limbo que ameaça conduzir-nos a estados depressivos que fazem perigar a nossa integridade mental.

Este pretenso diagnóstico existencial, não podendo ser obviamente comum – porque cada caso é um caso –  e sendo embora demasiado abrangente e vago, pretende, outrossim, alertar para o ambiente de que procuramos envolver-nos por natural instinto de auto – -conservação face ao que imaginamos que possa esperar-nos “lá fora”. São tempos difíceis os que vivenciamos.

 

A VOZ COM QUE ME CHAMO

 

A voz com que me chamo é alterada

Não fui eu que me quis inconformado

Nem foi a minha alma amargurada

Que distorceu as notas do meu fado!

 

A mudez dos meus lábios também não

Sacudiu de torpores um mau-olhado

E a pergunta me aflui: quem foi então

Que me quis ver assim…desesperado?

 

Só posso deduzir que fui só eu

Quem pintou os meus dias cor de breu

Quem fez de mim o pouco que hoje sou.

 

A voz com que me chamo já cansou

Neste peito morreu o mais que amou:

O sopro da razão que era só meu.

Eugénio de Sá  

Poesia

A memória guardará o que valer a pena.

A memória sabe de mim mais que eu;

e ela não perde o que merece ser salvo.

Eduardo Galeano

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1 comentário

  1. BOA NOITE EUGÉNIO! “Com os ecos do terror e a visão dos escombros não há humanidade, muito menos poesia”… mas DEUS sempre nos concede um novo dia, em que pode estar a brilhar o sol, ou mansamente a chuva molha o solo! Tempo para avaliar o passado e as lições que dele nos restaram, pisando firme no momento presente que é a única certeza que temos, e a chance de planejarmos melhor o futuro!
    BEIJOS
    BOA SEMANA
    19/11/2023

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