Filho, queres ser médico ou doutor?

Pablo Mendaña Alija

Médico

Dado que é o meu primeiro artigo para o Jornal “Minho Digital”, merece uma pequena apresentação da minha pessoa.

O meu nome é Pablo Mendaña Alija, sou de nacionalidade espanhola e vivo e trabalho em Portugal desde Julho do ano 2000. A minha esposa é portuguesa, o meu filho é português e eu, salvo o meu bilhete de identidade e a minha origem, também “sou” português. Penso, vivo, trabalho, rio, sofro e pago os meus impostos em Portugal, pelo que sou mais uma vítima “portuguesa” do país em que vivemos. E o meu trabalho é tentar ser um bom médico (o que não é fácil, mas tento-o!).

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

Um dia um colega meu já de certa idade, maravilhosa pessoa, extraordinário profissional e excelente médico, contou-me que o seu pai pensava que ele tinha, pelo seu carácter, um bom perfil para ser juiz. Mas o meu colega disse um dia ao pai que queria estudar Medicina. O pai ficou um pouco pensativo e perguntou-lhe “filho, tu queres ser médico ou doutor?”. Com os seus 17 anos, o meu colega e amigo não entendeu, mas essa simples e inocente pergunta tem-no acompanhado toda a vida e ainda hoje continua a pensar nas palavras sábias do seu pai.

Simples, complicada, sem sentido, o porquê dessa pergunta?

Gostava que reflectissem uns instantes sobre este tema.

Para mim, aos meus 56 anos de idade, e depois de tudo o que já vivi no mundo da Medicina (e do que espero que ainda me falte para viver) faz todo o sentido.

Não vamos falar de países (este é espanhol e vem cá dar lições) nem se este é melhor do que o outro, ou ao contrário. Vamos falar como cidadãos portugueses que sofrem na pele, no dia a dia, o resultado da resposta a essa simples pergunta.

Alguém já foi consultar um profissional da Medicina e este lhe falou do pedestal, e o tratou com altivez, como se ele fosse um ser superior e nós umas minhocas, e com uma linguagem que mais bem parecia chinês (porque não se entendia nada)?

Ou alguém procurou falar com um destes profissionais da Medicina e sentiu que o “acesso” a ele era quase pior que ao Presidente da República, com um ar como se nos estivesse a fazer um grandíssimo favor?

E quando nos cobrou por uma consulta de 5-10 minutos 90-100 € (ou mais) e parece que tínhamos acabado de ser roubados por um ladrão qualquer?

Ninguém passou por isto, é uma pura invenção minha? É possível! Mas não esqueçam que passo a minha vida entre profissionais da Medicina e outros profissionais da saúde, e sei muito bem do que falo,por desgracia!

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O profissional de que falei até agora é um Doutor (não se esqueçam que vivemos no país dos doutores, em que alguns obtém o título até num domingo pela tarde). Pode saber todos os livros de Medicina da primeira até a última página, pode ser uma enciclopédia vivente, pode ser o mais entendido numa área qualquer da Medicina, mas eu não o quero para mim.

Esqueceu-se de que, antes de ser Doutor, deve ser pessoa e tratar os outros também como pessoas (não faças aos outros o que não gostavas que fizessem a ti). Esta é a minha opinião, que vale o que vale, claro.

O médico, é aquele indivíduo simples, humano, de fácil acesso, que tem sempre um minuto para ouvir o doente, que está disponível para ajudar os outros, que não se preocupa só com o relógio, que ama o que faz independentemente do dinheiro que possa ganhar com isso, que não sabe todos os livros de Medicina de cor mas sabe ouvir, interpretar e ajudar: e quando não descobre o problema, tem a humildade suficiente para pedir a colaboração de outro colega que possa saber mais que ele e que possa ajudar a encaminhar e resolver o problema do doente em causa. Esse sim, é o profissional da Medicina que eu quero “à minha beira”, é esse o verdadeiro MÉDICO.

Digo sempre, que todos desempenhamos um trabalho para poder ganhar o dinheiro que nos permita ter uma vida melhor, e os profissionais da Medicina não são uma excepção. Todos temos família e filhos para criar, contas para pagar, impostos, os nossos “vícios” e “prazeres”. A palavra que para mim marca toda a diferença é o “SÓ” (?).

Sim, eu trabalho, mas não SÓ por dinheiro, faço-o porque, graças a Deus, gosto e amo o meu trabalho e, sobretudo, porque gosto de ajudar o meu próximo.

O meu pai, com 87 anos de idade, diz-me há muito tempo que o trabalho de um Médico nunca tem fim nem limite, porque o Médico tem que primeiro prevenir; depois curar; se não puder curar, deve aliviar/tratar; e se não puder prevenir, curar nem aliviar, deve … consolar!

Nunca se esqueçam que também respiram pelo nariz e fazem as suas necessidades pelos meus sítios que os outros … e algum dia também serão doentes!

Para finalizar, gostava que este artigo, escrito por um simples e humilde profissional da Medicina (que procura ser médico no seu dia a dia) nos ajudasse a reflectir naquilo que cada um é nas suas profissões e naquilo que realmente quer ser no seu trabalho.

“Filho, queres ser médico ou Doutor”?

Desejo-lhes um maravilhoso ano 2020 e que os Doutores que nos governam não nos compliquem demasiado a já de por si complicada vida do nosso dia a dia.

Um grande abraço!

Pablo Mendaña Alija.

 

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