LENDAS E MITOS: As mulheres guerreiras

As mulheres guerreiras viviam em povoações que eram constituídas somente por mulheres, ou seja, não havia homens nas terras das Icamiabas. Elas caçavam, pescavam, construíam suas casas, lutavam – quando necessário – e cuidavam das filhas.

Pesquisando

Pesquisando sobre “AS MULHERES GUERREIRAS” em mitos e lendas da região amazônica encontrei matérias surpreendentes e que nos trazem informações de um passado  desconhecido por grande parte dos que habitam o nosso o território brasileiro bem como sua formação histórica. Muitos casos narrados não passam de suposições e fundamentos folclóricos. No entanto acrescentam muitíssimo à cultura e nos conduzem às profundezas da matéria em busca de respostas, tal e qual estivéssemos querendo desbravar a própria região, cheia de segredos.

Theobaldo Miranda Santos, em seu livro Lendas e Mitos do Brasil, diz que foi Orellana, explorador espanhol que descobriu o Rio Amazonas, o primeiro a contar a história das mulheres guerreiras do Brasil. Diz ele que se encontrava do Rio Amazonas quando foi atacado pelas amazonas. Os índios a chamavam  de icamiabas, isto é, mulheres sem marido.

As amazonas eram índias eram índias altas, belas e formosas. Tinham longos cabelos negros trançados em volta da cabeça. Formavam uma nação independente e dominadora, constituída exclusivamente de mulheres. Possuíam como vassalos, vários povos indígenas.

Suas casas eram feitas de pedra, solidamente fortificadas. As aldeias  cercadas de muros altos e resistentes,  eram inatacáveis. Robustas. Ágeis e corajosas, as amazonas eram guerreiras terríveis. Lutavam com valentia e ferocidade. Manejavam o arco e a flexa com perícia extraordinária. Atacavam as tribos vizinhas e as escravizavam . As mulheres dessas tribos nada sofriam. Mas os homens eram tratados com crueldade.

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Todavia, as amazonas, uma vez por ano, casavam-se com os índios guacaris, assim, evitavam que a tribo desaparecesse. Mas o casamento durava um só dia. As filhas nasciam e eram criadas cuidadosamente, para que pudessem manter as tradições gloriosas das amazonas. Quanto aos filhos, eram cruelmente  sacrificados ou entregues aos pais por ocasião de suas visitas anuais.

JASCÍ, a lua, era a deusa protetora das amazonas. O IÁGO ICACIURÁ, junto das cabeceiras do rio Jamundá, era sagrado. As amazonas o consideravam como o Espelho da Lua. E daí o seu nome. Todos os anos , por ocasião das festas consagradas a Jaci, as amazonas seguiam, em romaria, para as margens desse lago. A lua cheia era então festejada com bailados , cânticos e oferendas. As filhas de JACI coroavam-se de flores e executavam uma dança bela e selvagem. A festa realizava-se antes do casamento com  os guacaris. Pouco antes da meia noite, quando a lua atingia o alto do céu, as amazonas dirigiam-se para o lago, levando nos ombros potes cheios de perfumes, que derramavam na água para purifica-la. À meia noite, mergulhavam no fundo do lago e de lá traziam um barro verde a que davam formas variadas: de rã, de peixe, de tartaruga.

Esse barro esculpido servia de amuleto e chamava-se muiraquitã. Depois que o barro secava, esses amuletos ficavam duros como ferro. Eram oferecidos aos guacaris que os traziam pendurados ao pescoço.

 

Numa outra versão e de acordo com a mitologia grega, as Amazonas eram mulheres guerreiras [AJ1] especialistas em arco e flecha, que montadas a cavalo lutavam contra homens que tentavam submetê-las.

Em suma, eram independentes e viviam em uma estrutura social própria, em ilhas próximas ao mar, composta apenas por mulheres. Dotadas de grandes habilidades no combate, chegavam ao extremo de mutilar o seio direito para poder manejar melhor o arco e outras armas.

Além disso, uma vez por ano, as Amazonas arrumavam parceiros para procriarem, se nascesse menino, elas entregavam para que o pai criasse. Ficando somente com as meninas que nasciam.  Segundo a lenda, as Amazonas eram filhas de Ares, o deus da guerra, dessa forma, herdaram sua audácia e coragem.

Ademais, eram governadas pela rainha Hipólita, que foi presenteada por Ares com um centurião mágico, que representava força, poder e proteção do seu povo. No entanto, ele foi roubado pelo herói Hércules, provocando a guerra das Amazonas contra Atenas.

A lenda das Amazonas surge na época de Homero, cerca de 8 séculos antes de Cristo, apesar de que há poucas evidências de que as famosas guerreiras existiram. Uma das Amazonas mais famosas da antiguidade foi Antíope, que se tornou concubina do herói Teseu. Também são mais conhecidas Pentesileia, que encontrou Aquiles durante a guerra de Troia e Myrina, rainha das guerreiras africanas.

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Enfim, ao longo da história, surgiram inúmeros relatos míticos, lendários e até históricos sobre a existência das mulheres guerreiras. Inclusive, nos dias de hoje podemos ver um pouco da história das Amazonas nas HQs e filmes da super-heroína Mulher-Maravilha.

Mas a lenda das Amazonas continua…

 

As guerreiras Amazonas era uma sociedade composta somente por mulheres fortes, ágeis, caçadoras, com habilidades surpreendentes em arco e flecha, equitação e artes de combate. Cujas histórias são retratadas em uma série de poemas épicos e em lendas antigas. Por exemplo, os Trabalhos de Hércules (onde ele rouba o centurião de Ares), a Argonáutica e em a Ilíada.

De acordo com Heródoto, grande historiador do século V que afirmava ter localizado a cidade em que as Amazonas viveram, chamada Themiscyra.. Considerada como uma cidade fortificada que ficava às margens do rio Thermodon próximo à costa do Mar Negro (atual norte da Turquia). Onde as mulheres dividiam seu tempo entre expedições de pilhagem em lugares mais distantes, por exemplo, a Pérsia. Já próximo a sua cidade, as Amazonas fundaram cidades famosas, como Esmirna, Éfeso, Sinope e Pafos.

 

Escola Educação

 

Para alguns historiadores, elas teriam fundado a cidade de Mitilene, localizada na ilha de Lesbos, terra do poeta Safo, outros acreditam que viviam em Éfeso. Onde construíram um templo dedicado a deusa Ártemis, divindade virgem que percorria campos e florestas, considerada como a protetora das Amazonas.

Quanto à procriação, era um evento anual, geralmente com homens de uma tribo vizinha. Enquanto os meninos eram mandados para os pais, as meninas eram treinadas para se tornarem guerreiras.

Por fim, alguns historiadores acreditam que as Amazonas serviram de inspiração para que os gregos criassem mitos sobre seus ancestrais. De forma que os contos foram se tornando mais exagerados com o passar do tempo. Inclusive, há quem acredite que a lenda tenha se originado de uma sociedade em que as mulheres possuíam um papel mais igualitário. E que na realidade, as Amazonas nunca existiram de fato.

A exitência das guerreiras: Lenda ou Realidade

 

No ano de 1990, arqueólogos descobriram possíveis evidências de que as Amazonas existiram. Durante explorações na região da Rússia que cerca o Mar Negro, Renate Rolle e Jeanninne Davis-Kimball encontraram túmulos de mulheres guerreiras enterradas com suas armas.

Ademais, em uma das covas encontraram os restos de uma mulher segurando um bebê no peito. No entanto, apresentava danos nos ossos da mão, causados pelo desgaste por puxar cordas de arcos repetidamente. Já em outros cadáveres, as mulheres apresentavam pernas bem arqueadas de tanto cavalgar, além de uma altura média de 1,68 m, considerado como altas para a época.

No entanto, nem todos os túmulos eram de mulheres, na verdade, grande maioria era de homens. Por fim, os estudiosos concluíram que se tratava do povo Citas, raça de cavaleiros descendentes das guerreiras Amazonas. Então, a descoberta comprovava a existência dos descendentes no mesmo local em que o historiador Heródoto havia afirmado que eles viveram.

 

Seguindo os passos da História

 

Pois, segundo Heródoto, um grupo de Amazonas foi capturado pelos gregos, porém, elas conseguiram se libertar. Mas, como nenhuma delas tinha conhecimentos de navegação, o navio que as transportava chegou à região onde os Citas viviam.

Por fim, as guerreiras acabaram se unindo aos homens, formando assim um novo grupo nômade, chamado Sármatas. No entanto, as mulheres continuaram com alguns de seus costumes ancestrais, como caçar a cavalo e ir a guerras com seus maridos.

Enfim, há a possibilidade de que os relatos feitos pelo historiador Heródoto não sejam completamente precisos. Apesar de que há evidências da cultura dos Sármatas que comprovem sua origem ligada a mulheres guerreiras.

As Amazonas brasileiras

 

No ano de 1540, o escrivão da armada espanhola, Francisco Orellana, participava de uma jornada exploratória na América do Sul. Então, atravessando o misterioso rio que cruzava uma das mais temidas florestas, ele teria visto mulheres semelhantes às da mitologia grega. Conhecidas pelos indígenas como Icamiabas (mulheres sem marido). De acordo com o Frei Gaspar de Carnival, outro escrivão, as mulheres eram altas, brancas, cabelo comprido disposto em tranças no alto da cabeça.

 

Em suma, houve um confronto entre as Amazonas e os espanhóis no rio Nhamundá, localizado na fronteira entre o Pará e o Amazonas. Dessa forma, os espanhóis foram surpreendidos com as guerreiras desnudas com arco e flecha nas mãos, sendo derrotados, trataram logo de fugir. Então, no caminho de volta, os indígenas contaram a história das Icamiabas, que só naquele território havia setenta tribos delas, onde viviam somente mulheres.

Assim como as Amazonas da mitologia grega, as Icamiabas só tinham contato com homens na época de reprodução, capturando índios de tribos vizinhas subjugados por elas. Então, quando nasciam meninos eram entregues para o pai criar. Agora, quando nasciam meninas, elas ficavam com a criança e presenteavam o genitor com um talismã verde (Muiraquitã).

Por fim, os espanhóis batizaram as Icamiabas como Amazonas, assim como as da lenda, pois acreditavam terem encontrado as tão famosas Amazonas. Por isso, eles batizaram o rio, a floresta e o maior Estado brasileiro em sua homenagem. No entanto, apesar de ser uma história que envolve terras brasileiras, a lenda das mulheres guerreiras é mais disseminada em outros países.

 

Silmara Aparecida dos Santos

 

KAMIABAS – MULHERES GUERREIRAS: ENTRE MITOS, LENDAS, HISTORICIDADE, GÊNERO E SEXUALIDADE1

Silmara Aparecida dos Santos2 Resumo: Discursos possuem histórias, constroem histórias; assim são os mitos e as lendas em que o ser humano tenta dizer o indizível, explicar o inexplicável, dando assim, sentido às coisas. De várias maneiras discorrem sobre o sagrado, o profano, sobre o que é mistério – passível de medo e culpa. Narrativas que vão além do mero entretenimento, mas que interpretam, compreendem, dão sentido, fazem surgir e existir, criam realidades. E é pensando na historicidade imbricada nos mitos e nas lendas que este trabalho abordará especificamente a lenda das mulheres guerreiras Icamiabas, que há milhares de anos, buscando uma nova terra em que pudessem construir o seu povoado, a sua cultura e praticar os seus rituais, saíram migradas do continente asiático e após uma longa travessia encontraram lugar na imensa Amazônia. As mulheres guerreiras viviam em povoações que eram constituídas somente por elas. Caçavam, pescavam, construíam suas casas, lutavam e cuidavam das filhas. Por essas e outras características, as Icamiabas foram pejorativamente chamadas de “mulheres sem marido” ou “mulheres que não tem seio ou leite”. Histórias que possibilitam pensar na colonização do país e na historicidade da civilização brasileira. Essa e outras lendas brasileiras fizeram e fazem parte de histórias que mergulham no intenso imaginário das águas, possibilitando assim, problematizações acerca das temáticas de gênero e sexualidades que estão imersas nesses textos culturais repletos de representações. Palavras-chave: Ykamiabas; lendas; gênero e sexualidade Introdução Os discursos são (des) construídos por sujeitos que estão imersos em uma complexa rede cultural, social e histórica que interfere significativamente na produção de sentidos e significados acerca das coisas a nossa volta. Somos indivíduos que recebemos uma avalanche de estímulos e informações e, as mesmas são capazes de nos fazer (re) pensar a maneira de conceber as coisas. Somos capazes de (re) criar, (re) inventar, (des) construir a partir de uma linguagem que não é estática, mas que está em constante movimento de transformação. Uma linguagem multicultural que transita por vários aparatos culturais, entre eles, textos, filmes, vídeos, imagens, entre outros. Aparatos que estão mergulhados em discursos que transmitem, muitas vezes, verdades tidas como únicas e absolutas. Os discursos não são apenas dizeres, fala em sua forma simples – ato de dizer 1 Partedeste trabalho foi retirado da minha dissertação de mestrado intitulada – “Navegando pelo imaginário das águas: gênero e sexualidade nas lendas brasileiras”, ao qual fui orientada pela Profa. Dra. Cláudia Maria Ribeiro. Professora Associada do Departamento de Educação da Universidade Federal de Lavras. 2 Professora da rede estadual de ensino; mestranda em Educação pela Universidade Federal de Lavras – Ufla; integrante do grupo de estudos – Relações entre a Filosofia e a Educação para a Sexualidade na Contemporaneidade: a problemática da formação docente, coordenado pela Profa. Dra. Cláudia Maria Ribeiro. 2 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11& 13thWomen’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017,ISSN 2179-510X algo, mas dizeres carregados de saberes e construtores dos objetos dos quais falam (FOUCAULT, 2004). E é justamente no âmbito do discurso, daquilo que é dito e criado que estão as narrativas mitológicas e lendárias. As lendas e mitos fazem parte da historicidade da nação brasileira. Inventada há anos na tentativa de dizer o que até então seria indizível, de explicar fatores sobrenaturais, que iam além do real e racional, por isso que é um aparato que transita entre esses campos – do real e o irreal. “Os mitos forneciam aos seres humanos um corpo de conhecimento e métodos para lidar com a natureza e construir modos comunitários de vida produtivos e criativos” (PENNA, 2009, p. 31). Retratam situações cotidianas, só que inundadas por uma mistura entre fictício, real, imaginário, drama, romance, graça; encontram nos rios e florestas um lugar complexo para ser morada; transitam entre simbologias e fazem dos assuntos cotidianos temas centrais. As lendas contam coisas sobre si! Sobre si e sobre os contextos que circulam. O Brasil possui uma extensa pluralidade cultural que é herança de influências de diversos povos que constituem um mosaico heterogêneo representado em cada região que dispõe de suas tradições e costumes. As lendas são uma fragmentação, textos culturais que compõem a nossa diversidade cultural e, são várias. E nessa ampla gama de possibilidades, com a finalidade de delimitar o corpus de análise deste trabalho iremos problematizar uma lenda específica, a lenda das Icamiabas3 , baseado no romance de Regina Melo (2012) intitulado de “Ykamiabas – filhas da lua, mulheres da terra”.

Uma obra que nos possibilita análises a partir desse aparato cultural que transita pelos mitos, lendas, historicidade, pelas relações de gênero e sexualidade. Assim, o que nos interessa aqui, não é apenas fazer um compilado das lendas, mas problematiza-las em seu sentido mais amplo, profundo e intenso. Problematizar para além de ser simplesmente um conceito, mas como um gesto investigativo (VINCI, 2015) motivado pela procura, por questionamentos e não por respostas – não como uma metodologia pronta e com fim em sim mesmo. Problematização não quer dizer representação de um objeto preexistente, nem tampouco a criação pelo discurso de um objeto que não existe. É o conjunto das práticas discursivas ou não discursivas que faz alguma coisa entrar no jogo do verdadeiro e do falso e o constitui como objeto para o pensamento (seja sob a forma da reflexão moral, do conhecimento científico, da análise política etc.) (FOUCAULT, 2010, p.242) 3Apesar de ter escrito no título com Y e k – Ykamiabas para ser fiel a referência usada para problematizar a lenda, uma vez que é baseado no livro “Ykamiabas – filhas da lua, mulheres da terra” de Regina Melo (2012), adotarei neste trabalho a grafia com I e C – Icamiabas- referente ao usado na língua portuguesa. 3 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11& 13thWomen’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017,ISSN 2179-510X Problematizar enquanto fonte criadora, mas não um criar do nada, inusitado, inédito, que nunca foi feito, mas criação como provocação da existência de algo. Nos importa fazer uma análise do processo, do percurso sem a intenção de chegar a uma resposta final. Pretendemos imergir em um sistema cultural sem a finalidade de destrinchá-lo, mas sim, de pôr em xeque as possibilidades de entender e compreender para além de respostas prontas e definidas. Buscamos as perguntas, os muitos questionamentos. As Ykamiabas: entre histórias e simbologias O que sabemos sobre a Amazônia? Que é uma grande floresta? Que guarda a maior diversidade biológica do planeta? Dispõe de uma grande quantidade de água doce? Que representa mais da metade das florestas tropicais? Sim, tudo isso pertence a Amazônia, mas é só? Não! O que muitas vezes sabemos é o pouco que nos é ensinado na escola. Entretanto, a Amazônia detém um processo histórico riquíssimo que transita por explorações, escravidão, luta, resistência, tradição, mitos, simbologias, histórias e vivências que diversas vezes, por não serem reafirmadas, seja no discurso ou na própria história, vão sofrendo o apagamento, vão sendo invisibilizadas. A ocupação do território amazônico pelos europeus, que aqui chegaram e se depararam com os índios, foi incompatível logo de início, uma vez que os índios possuíam tradições das quais os europeus não faziam ideia do seu significado. Tradição é “qualquer coisa transmitida ou trazida do passado” (THOMPSON, 2008, p. 163). Os índios estavam aqui, tinham suas terras, suas casas, suas formas de comer, de pescar, de dançar – o que faziam com frequência. Cultuavam a natureza em sua mais bela forma, como elemento sagrado, que lhes movia a vida. A água, a terra, o ar e o fogo, os quatro elementos do princípio considerados fonte de vida e de morte. No entanto, nada disso que dizia respeito a cultura dos/as índios/as interessavam aos que haviam chegado. Os europeus foram tomando, raptando, se apropriando de um espaço que não os pertenciam e, não só se apoderaram do lugar, mas dos índios, das mulheres, da cultura. Sem preocupação com aqueles e aquelas que já estavam aqui, que haviam construído suas raízes, suas crenças, seus rituais em cima de suas convicções.Os europeus foram violentamente apropriando de partes, aquelas das quais interessavaos, da cultura dos/as índios/as. Um exemplo de apropriação cultural extrema, excessiva, agressiva do qual podemos perceber nitidamente a partir da invisibilidade da real história dos/as índios/as na história do nosso país. “Quando os europeus chegaram, encontraram uma enorme quantidade de grupos e tribos organizadas com uma cultura própria, da qual herdamos alguns costumes como, por exemplo, o uso da mandioca e a confecção da cerâmica” (FIGUEIREDO, 2011, p. 80). Não 4 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11& 13thWomen’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017,ISSN 2179-510X herdamos dos índios os seus costumes, mas sim, pegamos deles e tornamos nosso, parte da nossa cultura, ocultando que antes de se tornar “nosso” era deles. Haviam homens e mulheres muito antes de nós, muito antes dos portugueses, pessoas que tiveram muito da sua cultura dizimada por senhores e senhoras que se acharam no direito de fazê-lo. Há um outro lado da história. Uma história não contada. Os intensos procedimentos de “desenculturalização” fizeram com que os principais personagens da história, não só da Amazônia, mas do Brasil enquanto país colonizado e escravizado pelos portugueses, perdessem suas identidades na qualidade de sujeitos imersos em uma cultura, o que ocasionou, muitas vezes, um ocultamento das/ dos índios /as na história e na geografia. “Como consequência deste e de outros pressupostos e preconceitos do gênero – índios, negros e caboclos se tornaram “invisíveis” (PAESLOUREIRO, 2002. p. 114).

É nesse violento percurso histórico que entrelaçam índios/as, europeus, mitos, tradições, simbologias e muito mais em um imensurável espaço que abarca rios, matas, animais, flores, gente, vida, lutas, mortes, saberes, nomeia-se de Amazônia. De acordo com os pressupostos a Amazônia é um ambiente rico em história podendo ser conjugada no tempo passado, presente e futuro, obviamente que em cada momento terá a sua ênfase ora na ordem ora no pedido, mas que desencadeiam a construção e o (des) fecho das memórias desse lugar repleto de simbologias, de narrativas, de lendas e mitos. O povo amazônico viu nas lendas e nos mitos uma forma de enraizar suas histórias, de fazer com que crianças e idosos conhecessem a historicidade. E para entender, mesmo que minimamente esse lugar, é necessário levar em consideração o contexto cultural e os sujeitos imersos nesse espaço. “Para compreender-se a Amazônia e a experiência humana nela acumulada, seu humanismo, deve-se, portanto, levar em conta seu imaginário social” (PAESLOUREIRO, 2000, p. 86). Um imaginário que é constantemente (des) construído por indivíduos culturais. Homens, mulheres, crianças, enfim, pessoas que criam e elaboram suas representações a fim de entender o universo que os rodeiam. “Há, nas alegorias produzidas pelo imaginário na cultura amazônica, uma permanente tentativa de compreender o homem, o amor, a vida, a morte, o trabalho e a natureza” (PAESLOUREIRO, 2000, p. 86). Histórias, contos, narrativas, discursos, lendas e mitos foram criados no dia a dia do/a amazonense como uma maneira de manter inteira a cultura ou pelo menos uma parte dela. Um povo que sofreu com a escravidão em massa, não só de sua gente, mas dos seus recursos naturais principalmente; uma gente que viu na narrativa, nas lendas repletas de encantados um jeito de falar 5 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11& 13thWomen’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017,ISSN 2179-510X dos acontecimentos cotidianos, de contar as crianças e a quem mais quisesse ouvir as encantarias da sua gente e da sua cultura. Homens, mulheres, crianças, idosos /as – pessoas que, apesar da sua cultura não estar diretamente ligada a culturas ditas como tradicionais, fazem dos mitos e das lendas, não apenas histórias a serem contadas para fazer dormir, despertar medo ou apenas curiosidade, muito além disso, é um estilo de vida, uma maneira de viver e reviver a história. Nesse contexto, isto é, no âmbito de uma cultura dissonante dos cânones urbanos, o homem amazônico, o caboclo, busca desvendar os segredos de seu mundo, recorrendo dominantemente aos mitos e à estetização. Uma região que é verdadeira planície de mitos, na expressão de Vianna Mong, onde o homem da terra viveu e ainda vive habitando isoladamente em algumas áreas, alimentando-se de pratos típicos, celebrando a vida nas festividades e danças originais, banhando-se prazerosamente nas águas do rio e da chuva e imprimindo “este ritmo fracionado e múltiplo, indefinidamente enraizado na chance de uma evasão na imensidade amazônica” (PAESLOUREIRO, 2000, p. 30) O Brasil é um país riquíssimo culturalmente e, os mitos e as lendas integram essa diversidade cultural. Intertextos culturais que retratam situações cotidianas, que dizem muito dos contextos que circulam e de sua construção. Retratam a nossa história, isto é, a historicidade do nosso país, dos/as sujeitos que não apenas habitam esse espaço, mas o constroem – produzem os aparatos, as narrativas e inserem nelas características socais, culturais e históricas. Pensando na historicidade da Amazônia é inevitável não falarmos da expedição de Orellana4 , que desafiou percorrer os rios da imensa floresta. A embarcação perpassou por diversos rios entre eles o Paraná – Guassu e o Kayary (conhecido como o rio das mulheres guerreiras). Durante todo o trajeto realizado, a tripulação passa por diversas situações, pois estão trilhando caminhos nunca antes percorridos e, sendo assim acabam por encontrar muitos empecilhos. Ao passarem por algumas terras como a ilha de Maracá, apesar da curiosidade e até mesmo por necessidade fisiológica (cansaço, fome e etc) os espanhóis não se arriscam a descer para explorarem aquelas terras justamente por serem habitadas por índios (MELO, 2012). 4Francisco de Orellana (Trujillo, 1490 – rio Amazonas, c. 1550), foi um aventureiro e explorador espanhol. Em 1535 participou, juntamente com Francisco Pizarro, na conquista do Peru. Entre 1540 e 1541, integrou a expedição de Gonzalo Pizarro que explorou o rio Napo; em seguida, prosseguiu com alguns homens até ao vale do rio Amazonas, tendo sido o primeiro a percorrer integralmente o curso deste rio, desde os Andes ao oceano Atlântico.

(https://pt.wikipedia.org/wiki/Francisco_de_Orellana). 6 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11& 13thWomen’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017,ISSN 2179-510X Durante a expedição de Orellana pelo rio Paraná – Guassu com o Kunury, deparam-se com uma ilha em que se encontram as mulheres guerreiras, as Icamiabas. As Ykamiabas estão subindo o monte, quando avistam os estrangeiros. Mais que depressa, trocam os objetos de uso doméstico por armas de guerra. Com os cabelos amarrados em volta da cabeça para melhor combater os intrusos, elas se preparam para o ataque. Recebem reforços da região vizinha, os Kanarys, que, de passagem pela região, ouvem o som do torocano, aproximam-se, e, divididos em grupos, espalham-se por todos os lados. A expedição é pega de surpresa. Mais que depressa, Orellana reúne a tripulação para revidar o ataque. Os espanhóis descem dos bergantis aos poucos, e, espalhando em canoas atiram num grande exército que se forma à sua frente. Eles já sabiam da nossa presença. – Grita Orellana aos expedicionários. O som do torocano anunciara a presença de estranhos nos povoados e ajudara a prepara-los para um possível ataque, conforme acontecia. Mesmo em pequeno número, as mulheres guerreiras, coligadas aos vizinhos, combatem a expedição. Cobertas com pequenas tangas, elas se escondem entre as árvores para deferir-lhes com mais segurança suas flechas. Os espanhóis querem vê-las de perto. Aproximam-se da costa, sem se importarem com a grande quantidade de flechas e paus atirados em sua direção. Curiosos, querem conferir a habilidade das decantadas mulheres. Impressionados com a sua altura, observam-lhes a pele bronzeada, ombros largos, os cabelos trançados e enrolados à cabeça, e a nudez à mostra, que parece não deixar dúvida quanto à natureza feminina. Para se defenderem, elas reagem. Os espanhóis respondem com armas de fogo, arcabuzes e balestras (MELO, 2012, p. 136). Assim é descrito o encontro da expedição de Orellana com as Icamiabas no romance de Regina Melo (2012) “Ykamiabas – filhas da lua, mulheres da terra”. Ele ficará tão impressionado com a força e resistência daquelas mulheres que quando voltou para a Espanha conta ao rei o que havia visto e, isso reafirmou ainda mais a lenda das Amazonas, mulheres guerreiras. Essa lenda é muito conhecida no norte do Brasil, assim como outras principais lendas que conhecemos no nosso país, pois lá as Icamiabas são uma representação de virilidade, luta, força, coragem, persistência e resistência. As Icamiabas chegaram aqui há milhares de anos buscando uma nova terra em que pudessem construir o seu povo, a sua cultura. Saíram migradas do continente asiático e foram para o que mais tarde seria conhecido como Novo Mundo. “Essas civilizações alcançaram o México, o Panamá, a Colômbia, a Venezuela, o Peru e a Bolívia, até o vale do Amazonas” (MELO, 2012, p. 24). Trajeto que as caracterizou, deu origem a sua personalidade e comportamento. As mulheres guerreiras foram pejorativamente chamadas de “mulheres sem marido” ou “mulheres que não tem seio ou leite”. “A ausência de vocação maternal era traço marcante na personalidade dessas 7 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11& 13thWomen’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017,ISSN 2179-510X guerreiras – um estigma que as Ykamiabas carregavam pela determinação e pela independência com que delineavam seu comportamento” (MELO, 2012, p. 33). As mulheres guerreiras viviam em povoações que eram constituídas somente por mulheres, ou seja, não haviam homens nas terras das Icamiabas. Elas caçavam, pescavam, construíam suas casas, lutavam – quando necessário e cuidavam das filhas. Após um ritual de “acasalamento”, em que as mulheres guerreiras uniam seus corpos aos dos homens de outras tribos, elas engravidavam e ficavam somente com as meninas, para assim poderem ensiná-las como se tornar uma guerreira, já os meninos eram entregues aos pais e, se por acaso o pai não o quisesse, era morto (MELO, 2012). Dessa maneira, as Icamiabas mantinham renovado o seu povo constituído apenas de mulheres – donas de seus corpos, de suas vontades, criando e recriando a sua forma de viver. A partir da historicidade da vida das mulheres guerreiras é possível problematizar a maneira de viver, seus costumes e rituais, examinando com um olhar de fora, um olhar de (des) construção. E (des) construção nesse contexto não pressupõe deixá-lo em estado de ruínas, mas sim revelar os limites fluídos entre os elementos que o compõem (SOAREZ, 2004). É uma possibilidade de outros entendimentos, de outras compreensões. Assim sendo, a história das Icamiabas nos permite pensar na concepção de amor, ou melhor, do mito do amor romântico. O amor, talvez possa ser considerado enquanto um dispositivo – conceito foucaultiano, pois de certo modo, por muito tempo e ainda hoje controla as relações afetivas. O dispositivo, segundo o filósofo, se caracteriza como sendo “inicialmente os operadores materiais do poder, isto é, as técnicas, as estratégias e as formas de assujeitamento utilizadas pelo poder” (REVEL, 2005, p. 39). Dessa forma, o amor se configura enquanto um dispositivo, uma vez que funciona como uma forma de dominação e assujeitamento dos indivíduos a determinados jeitos e maneiras de viver a sua subjetividade afetiva e consequentemente os relacionamentos amorosos. No século XIX o amor tinha como propósito a união familiar. A partir do amor entre o casal (hétero) se legitimava a construção de uma família. “Era necessário que o sexo fizesse par com o amor para que a potência sexual rendesse bons frutos” (TOLEDO, 2013, p. 205).

O amor centrado na reprodução. Dessa forma, fazer amor fora da união amorosa era considerado uma preocupação, não só médica e higienista, mas também religiosa, uma vez que sexo era permitido dentro do casamento e, portanto, considerado pecado quando feito fora da união estável. E mais uma vez afirmo, é nesse sentido de controlar que o amor funciona como dispositivo. Um mito criado há muitos anos e que permanece nos dias atuais, fortemente presente no cotidiano, nas relações interativas dos sujeitos e principalmente nas relações amorosas, o mito do amor 8 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11& 13thWomen’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017,ISSN 2179-510X romântico. Um mito que perdura socialmente e subjetiva a maneira de viver dos sujeitos, justamente, porque muitas pessoas acreditam nessa concepção de amor, no discurso tido como verdade de que o amor seja capaz de trazer a felicidade plena. E quando não se encontra esse amor-paixão, essa felicidade emocional e psicológica, os sujeitos tendem a acreditar na infelicidade, na incompletude do ser e da vida, o que influencia significativamente na forma de ver e viver a vida. Questiono: qual a relação que poderíamos estabelecer entre o amor romântico e as mulheres guerreiras? Gerar perguntas sobre como as mulheres guerreiras, as Icamiabas resistiram, transgrediram a regra, o que era, também naquela época considerado “normal”? Elas se relacionavam sexualmente com outras tribos, mas não tinham a união estável, não se baseavam no amor para construir “família”5 , mas sim em suas crenças e tradições. Construíram outro estilo de família, diferente da estabelecida – uma família constituída somente por mulheres, mulheres guerreiras! E por assim fazerem, foram pejorativamente intituladas de “mulheres sem homens” e “mulheres sem leite”, exatamente por resistirem, por lutarem por seus ideais, pelas suas crenças e simbologias. As Amazonas, faziam um ritual anual de “acasalamento”, isto é, após o período de iniciação – do primeiro ciclo menstrual, elas estavam prontas para unirem seus corpos a outros índios (os visitantes) de uma tribo vizinha para enfim consumarem o ato sexual a fim de reproduzirem. As guerreiras recebem os visitantes em suas redes tecidas a mão com fios de folhas de palmeiras e algumas com apliques de penas de aves, um aposento preparado com bastante atenção para o importante ritual de “união”. “As Icamiabas unem seus corpos aos dos briosos guerreiros. A noite é pequena para tão grandes prazeres. Os corpos ardem, entrelaçam-se e se preenchem ao som dos quevéis” (MELO, 2012, p. 71). Entre toques e prazeres as guerreiras se entregam confiantes de que daquele ritual possam gerar e nascer a continuação de um povo, as filhas das guerreiras. Ao darem à luz a uma menina, as Amazonas ficam com a filha para poderem ensiná-la a viver como uma guerreira, porém, ao parir um menino, ele é entregue ao pai para que possa crescer e se desenvolver. “No ano seguinte, após a amamentação, os filhos varões serão entregues aos pais que os conceberam. As filhas, no entanto, permanecerão na Serra da Lua, onde aprenderão a manter contato com a vida independente e isolada dos homens” (MELO, 2012, p. 87). Após o ritual de união, os visitantes partem de volta para a sua tribo, mas antes recebem das Amazonas uma lembrança. “- Recebe, pois é meu presente. Símbolo da nossa liberdade! ” (MELO, 5 Família está entre aspas, justamente por considerar aqui o sentido de família hegemônica e patriarcal. 9 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11& 13thWomen’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017,ISSN 2179-510X 2012, p. 71).

Levam consigo um amuleto que representa o poder, a força e vitalidade. A representação do que as guerreiras desejam aqueles que colaboraram para o seguimento de um povo. Os Guacarás levam os amuletos pendurados ao pescoço, na certeza de que a pedra das Ykamiabas os levará de volta às suas aldeias, com segurança e lhes proporcionará força, saúde e poder. O símbolo feminino, que representa, acima de tudo, a fertilidade da mulher, tem o poder mágico de transferir-lhes vitalidade. Objetos de estima e poder, os muyraquitãs, embora, na maioria das vezes, suspensos ao pescoço, costumam também ser utilizados de outra maneira. Muitos guerreiros gostam de prendê-los como enfeites de cintura nas suas tangas, durante os cultos religiosos (MELO, 2012, p. 71). As Icamiabas, durante a trajetória de chegada trouxeram um objeto repleto de simbologias, o Muiraquitã. “O termo Muyrakytãé uma adaptação da língua tupi, posterior à conquista da Amazônia. A grafia do vocabulário decorre de corruptelas de missionários e cientistas, cujas tentativas são “nó de pau”, “pedra verde do rio”, “pedra de chefe”, “botão de gente” (MELO, 2012, p. 34). Uma pedra preciosa que era dada a cada mulher guerreira quando chegasse a puberdade. Essa pedra representava a força, saúde, poder e proteção. “O amuleto, trazido ao pescoço, era o distintivo de sua cultura. Representava o poder feminino da criação. Com ele, elas acreditavam possuir a força necessária para vencer as dificuldades e enfrentar os desafios que comumente eram postos à sua frente” (MELO, 2012, p. 33). Os amuletos possuem representações de animais como rã (a mais comum), peixe, piranha, tartarugas, entre outros, pois cada representação indicava força para algo específico. Acredita-se que a representação da rã simboliza luta, poder e fertilidade. “Em sua maioria, esculpidos, em forma de rãs, os muiraquitãs estão associados ao órgão reprodutor feminino, símbolo da fertilidade, e, simbolicamente, relacionados ao culto matriarcal da Grande Mãe Terra” (MELO, 2012, p. 27). O Muiraquitã era o símbolo destinado à aquela que era uma guerreira, pois somente mulheres fortes podiam ter o amuleto. Para que as Icamiabas pudessem conquistar o seu muiraquitã faziam o ritual, que como é possível perceber, é guiado pela guerreira chefe, Naruna. As guerreiras vão até a margem do rio Yacy-Uaruá, o lago espelho da lua. Qual a simbologia do espelho? Pensando no seu significado profundo o espelho, enquanto superfície que reflete é capaz de espelhar não só imagem semelhante, mas significados e representações. “O que reflete o espelho? A verdade, a sinceridade, o conteúdo do coração e da consciência” (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1982, p. 393). 10 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11& 13thWomen’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017,ISSN 2179-510X Assim sendo, no momento que a imagem da lua – elemento sagrado e que na simbologia representa o elemento privado de luz e que perpassa por diferentes fases, representando a dependência e o princípio feminino; espelha no lago Yacy – Uaruá é um sinal de que o equilíbrio está posto, como se a grande Mãe Terra avisasse e permitisse que as guerreiras adentrassem o rio e buscassem o seu amuleto, os seus Muiraquitãs. Como já foi afirmado, a representação mais comum do muiraquitã, entre vários animais, é o da rã. Questiono: por que a rã? As palavras possuem histórias, elas constroem histórias, ou seja, não são signos jogados ao vento e que de uma hora para outra tem o seu significado esvaindo feito poeira em um nevoeiro. Não, as palavras constroem sentidos de acordo com o contexto social, cultural e histórico, possuem etimologias. Rã vem do latim rana e na simbologia há vários significados de acordo com a conjuntura cultural, entre eles, “no ocidente a rã foi considerada um símbolo de ressureição, e isso em razão de suas metamorfoses” (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1982, p. 764). Também possui ligação intrínseca com a água, pois em várias culturas é usada para atrair chuva. “Na poesia védica, as rãs são apresentadas como a encarnação da terra fecundada pelas primeiras chuvas” (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1982, p. 764). Um mesmo animal, porém, que se tornou em diferentes culturas com representações e significados variados. Enquanto um amuleto, um Muiraquitã se torna um aparato cultural, muito importante por sinal na cultura amazônica. Atualmente o Muiraquitã é de grande comercialização na região amazônica, sendo vendido em mercados e feiras ambulantes ainda no seu material e aspecto original, justamente por acreditarem na existência das mulheres guerreiras. Uma comercialização que não só é uma maneira de sobreviver, de ganhar a vida financeiramente, mas também de manter viva a lenda das Icamiabas. Uma lenda que transita por vários espaços. Espaços até mesmo inimagináveis culturalmente e que nos possibilitou inúmeras interpretações a partir desse intertexto. Considerações Amor, morte, vida, violência, saúde, sexo, entre outros assuntos aparecem nas mais variadas lendas. O romance, a relação heterossexual – homem e mulher, surgem de diferentes maneiras, exteriorizando consequentemente padrões e normas tidas socialmente, o que é ou não aceitável, permitido, considerável, e o que acontece quando foge a isso, quando resiste, quebra a regra imposta, quando transcende o que é colocado como normal e consequentemente como anormal. As narrativas contam coisas sobre si! 11 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11& 13thWomen’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017,ISSN 2179-510X Transitamos por uma plurivalência de possibilidades, recorrendo ao que está aqui posto e muitas vezes pronto como as lendas, mas fomos além. Perpassamos, principalmente, o que não está pronto, o que é inusitado; exploramos os meandros do que já foi – o passado e do que ainda está sendo – o presente; andamos sem a responsabilidade de chegar a um fim específico, pronto e acabado. Percorreremos um labirinto em que nada está totalmente estruturado, organizado, e sim, trilhamos o caos, a desordem, a bagunça, a não estrutura fixa, mas que possui sentido em si. Navegamos pelo o “ainda” no seu sentido de percurso, de estar em processo, do que está por vir, devir! (SCHÉRER, 2005). Portanto, pesquisamos sem a finalidade de chegar a uma resposta pronta e acabada, sendo movidas por um fio condutor que entrelaça mitos, lendas, historicidade, cultura, gênero e sexualidade, encadeando tais temáticas em um tecer de escrita que vai tomando estrutura e sendo inserido nos campos de produção de saberes enquanto um corpus de pesquisa, de elaboração de conhecimento, enquanto narrativas lendárias que possibilitam infindáveis análises.

Referências Bibliográficas

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FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo: Editora Loyola, 2010.

FIGUEIREDO, Aguinaldo. A história do Amazonas. Editora: Valer. 2011. 182p. MELO, Regina Lúcia Azevedo de. Ykambiabas – Filhas da Lua, Mulheres da Terra. São Paulo: Editora Nelpa. 2012. 234p.

PAES LOUREIRO, João de Jesus. A arte como encantaria da linguagem. São Paulo: Escrituras Editora, 2008.

PAES LOUREIRO, João de Jesus. Obras reunidas. Volume 4. São Paulo: Escrituras Editora, 2000. PENNA, Eloisa Marques Damasco. Processamento Simbólico Arquetípico: Uma proposta de método de pesquisa em psicologia analítica, São Paulo, 2009. REVEL, Judith. Michel Foucault – conceitos essenciais. Tradução Maria do Rosário Gregolin, Nilton Milanez, Carlo Piovesani. – São Carlos: Claraluz, 2005. 96 p.; 21 cm. 12 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11& 13thWomen’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017,ISSN 2179-510X

SOAREZ, Andréia Azevedo. Jacques Derrida, o pai do desconstrucionismo, morreu em Paris aos 74 anos. Disponível em: < http://jornal.publico.pt/2004/10/10/Cultura /CO3. html> . Acesso em 06/09/2012.

SCHÉRER, René. Aprendendo com Deleuze. Educ. Soc., Campinas, vol. 26, n. 93, p. 1183-1194, Set./Dez. 2005. Disponível em. TOLEDO, Maria Thereza. Uma Discussão Sobre o Ideal De Amor Romântico na Contemporaneidade: do Romantismo aos padrões da Cultura de Massa. Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano. Artigos Seção Livre. Número 2. 201. 21.8 Junho2013.

THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

VINCI, Christian F.R.G. “Michel Foucault: a genealogia, a história, a problematização”. In: Prometeus: filosofia em revista, Brasília, v.7, n.15, 2015. p. 103-123.

YKAMIABAS WARRIORS WOMEN: among myths, folktale, historicity, gender and sexuality

Abstract: Discourses have stories, they build stories; so are the myths and folktale in which the human being tries to say the unspeakable, to explain the inexplicable, thus giving meaning to the things. In many ways, the individuals talk about the sacred, profane, about what is mystery – susceptible of fear and guilt. Narratives that go beyond mere entertainment, but that interpret, understand, give meaning, create realities and make arise and exist And it is thinking in the imbricated historicity in myths and folktale that this work will specifically address the folktale of Ykamiabas warriors women, who for thousands of years, searching for a new land in which they could build their village, culture and practice their rituals, migrated from the Asian continent and after a long crossing they found place in the immense Amazon. The warriors women lived in settlements that were constituted only by them. They hunted, fished, built their houses, fought and took care of their daughters. By these and other characteristics, the Ykamiabas were pejoratively called “women without husband” or “women who have no breast or milk.” Stories that make it possible to think about the country colonization and in the historicity of Brazilian civilization. This and other Brazilian folktale have made and are part of stories that immerse in the intense waters’ imaginary, thus enabling, problematizations about the themes of gender and sexualities that are immersed in these cultural texts full of representations.

 

António J. C. da Cunha

Empresário lusobrasileiro no Rio de Janeiro 

Natural da Freguesia de Geraz do Minho (Minho/Portugal)

Academia Duquecaxiense de Letras e Artes

Associado do Rotary Club Duque de Caxias – Distrito 4571

Membro da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade

Membro da CPA/UNIGRANRIO

Diretor Proprietário da Distribuidora de Material Escolar Caxias Ltda

* O autor não segue o acordo ortográfico de 1990

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