O sentir das estrelas

E percebeu como as suas ações eram submetidas a uma irónica ilusão de poder e controlo sobre a vida.

O vento, a rugir continuamente, tentava entrar pela divisão e ocupar o espaço com a sua tirania natural. O vento não questionava o seu poder, aceitava-o resignadamente.

Levantou-se do cadeirão e saiu de casa, tendo a oportunidade de ser envolvido pelo vento e, com os pés nus na neve, observar as estrelas aparentemente inertes, mas vivas. Ergueu os braços e as mãos calosas, e sentiu o vento a embater e a ser obrigado a contornar o obstáculo que era o seu corpo.

Ao afundar os seus pés na neve, sentia um frio disforme e húmido a ganhar forma nas suas extremidades, e com isso moldava o aspeto da homogeneidade da neve.

Olhou para as estrelas dispersas no negro celeste, e desejou conseguir moldá-las e senti-las também.

Como se quisesse sentir e controlar o tempo também, correu até à sua secretária, onde pegou numa folha e num lápis e começou a escrever:

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

“Consigo pensar, consigo falar, consigo escrever. Tenho liberdade para o fazer. Mas, neste inverno desprezado, não tenho qualquer capacidade para poder alterar o seu estado e fazer do inverno a primavera. Consigo sentir o vento e a neve, mas não consigo sentir a lua e as estrelas.

Vivo numa liberdade diminuta. E, para além de ser quase inexistente, sempre tive a sensação de que era maior. E há quem se iluda mais ainda. Mas isso são outros casos. Tudo o que faço contribui de forma mínima para o percurso que é a minha vida. E isso entristece-me.”

Pousou o lápis, ciente da sua capacidade de, pelo menos, poder expressar o que sente. Acima de tudo, sentia-se incompleto, como um peão num jogo de tabuleiro movido por mãos invisíveis.

Voltou a sair de casa, e observou as árvores que o rodeavam. Silenciosas, fixas num ponto durante anos e anos, também não tinham mais liberdade que ele. E por isso mesmo pôde aproximar-se de uma e colocar a palma da mão no seu tronco áspero e rugoso. Não é a falta de mobilidade que as faz parar de viver.

Talvez tudo tenha um propósito, e a sua liberdade tem a função de dar liberdade a um elo mais grandioso. E, de pés na neve, a sentir o vento, voltou a olhar as estrelas, e sorriu.

 

  Partilhar este artigo

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *