Os Reis e as Janeiras

Depois da euforia e do consumismo que para muitos representa a época natalícia, chega o mês de Janeiro que, para muitos, é cumpridíssimo e até depressivo.

Mas para que haja alguma animação chegam os Reis e depois, durante todo o mês, as Janeiras, que é a mesma coisa. Bem, a seguir há o S.to Amaro e a seguir o S. Sebastião.

Todas estas festividades, já tiveram melhores dias. No cartão de crédito estão, ainda,  penduradas as contas do Natal, para pagar em Janeiro.

Longe vão os tempos em que tudo isto eram mera ficção, era tudo bem diferente e mais terra a terra. Mas o Mundo é imparável e poucos ficam imunes ao marketing que nos bombardeia por todos os lados.

Hoje proponho-me voltar aos dias de Reis da minha entrada na puberdade que é uma palavra com significado, mas pouco usada.

A ideia de ir cantar os Reis foi minha que a fui congeminando e amadurecendo. Os amigos que sabiam cantar estavam comprometidos com outros grupos. Planeei mal. Tive que acordar para a realidade e resolver o assunto, porque a noite de Reis era nesse dia.

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

Num intervalo da escola comuniquei a esses dois amigos a intenção de, à noitinha, nos reunirmos, porque tinha uma coisa para lhes propor. ”O que chegar primeiro espera.“

Todos os dias em que houvesse geada, os lavradores iam meter a água nas suas terras a fim de que esta impedisse a erva de ser queimada pelas geadas. Essa erva era essencial para o alimento do gado. E essa era uma tarefa que, também, nos era delegada.

À hora combinada, os três amigos, chegaram ao lugar da Lamela, junto às presas. Apesar de ser quase lusco fusco, o frio e a humidade já eram presença e não tardava muito para que a verdura dos campos começassem a ser cobertos por um manto branco de geada.

Eu já levava tudo feito, versos incluídos. Apresentei a proposta aos meus amigos, sabendo de ante-mão que nenhum deles tinha o mínimo jeito para as cantorias. “Esta noite vamos cantar os reis, disse-lhes”?

Eles ficaram estupefactos e um tanto aturdidos e disseram-me aquilo que eu bem sabia: “mas nós não sabemos cantar”. Não faz mal, a noite de Reis é uma brincadeira, a gente quer rir-se e ganhamos algum dinheiro.”

“E o que é que cantamos”?

Vendo nessas desculpas uma espécie de consentimento, continuei. “Mas o melhor é ensaiarmos um bocado e já vemos?”

“Bem vamos lá, anuíram. São apenas três quadras…

“Bem, vamos lá”. E tinha que ser depressa porque dali a escassas horas tínhamos que começar.

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Começou o ensaio.

“Viva o senhor desta casa/ venha à porta venha ver/estão aqui os seus amigos/para lhes dar de beber.”

“Viva lá o senhor António/ sentado na sua cadeira/com a sua perna alçada / e a sua esposa à beira.”

“Nós vimos cantar os Reis/mas não é pelo dinheiro / É também pra recordar/o dia seis de Janeiro”.

Bom, aquilo parecia mais uma choradeira. “Só mais uma vez, estamos a ir bem”, disse-lhes para os encorajar.

Depois de devidamente autorizado, fui ao encontro dos meus amigos, numa noite escura como breu.

Quando chegamos à primeira casa a tremideira era quase visível. E fomos continuando até ao chegar a uma determinada casa. Aqui a surpresa foi de tal forma que decidimos encerrar por ali a nossa aventura. Foi-nos dado cinco escudos que era muito dinheiro.

Dividimos o nosso pecúlio que rendeu nove escudos para cada um. Uma pequena fortuna em 1967. E cada um regressou à sua casa feliz que nem um cuco. Eu nunca tirei a mão do bolso onde guardei as preciosas moedas, porque nunca tinha tido tanto dinheiro.

 

*José Venade não segue o actual acordo ortográfico em vigor.

 

 

* O autor não segue o acordo ortográfico de 1990

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