Primícias literárias: A mosca

[[{“fid”:”63492″,”view_mode”:”default”,”fields”:{“format”:”default”,”alignment”:””,”field_file_image_alt_text[und][0][value]”:”Daniel Jorge Pinto”,”field_file_image_title_text[und][0][value]”:”Daniel Jorge Pinto”,”external_url”:””},”link_text”:false,”type”:”media”,”field_deltas”:{“1”:{“format”:”default”,”alignment”:””,”field_file_image_alt_text[und][0][value]”:”Daniel Jorge Pinto”,”field_file_image_title_text[und][0][value]”:”Daniel Jorge Pinto”,”external_url”:””}},”attributes”:{“alt”:”Daniel Jorge Pinto”,”title”:”Daniel Jorge Pinto”,”height”:”170″,”width”:”170″,”class”:”media-element file-default”,”data-delta”:”1″}}]]

Daniel Jorge

Estudante

w

Na rua, uma mosca voava.

w

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

O seu voo era descoordenado, feito em ágeis ziguezagues que ilustravam a sua cor negra. Os seus olhos de tamanho desproporcional ao corpo observam as redondezas com perspicácia. 

w

Esta mosca que voava na rua pouco tempo de vida tinha, tal como todas as outras moscas. E ela queria viver ao máximo, coisa que as outras nunca faziam. Por isso, em vez de andar a voar e a aterrar em humanos sossegados e a provocar neles comichões incómodas, fez mais força com as pequenas asas e chegou às nuvens. Ora, nas nuvens nada havia onde pudesse pousar. E devido a isto mesmo não havia mais nenhuma mosca. 

w

Numa descida a pique, chegou a um local mais triste do que a rua em que voava anteriormente. A mosca viu essa tristeza no céu, que tinha uma cor menos azul, menos viva que ela própria. Porém, essa tristeza só se via nas aparências do local e na enorme quantidade de moscas que controlavam as ruas. Várias crianças jogavam futebol, e pouco tempo depois foram chamadas por pais e mães dentro das minúsculas casas, que mais moscas tinham do que humanos. O zumbido das moscas, o ruído das pessoas, tornava o lugar cheio de vida e, na verdade, até o coloria, não como um arco-íris, mas com alguns tons de pôr-do-sol. 

w

O inseto voou mais uma vez, pois não sentiu que o seu objetivo durante o seu pouco tempo de vida estivesse cumprido. Decidida, cheia de força e vontade mais uma vez, seguiu uma estrada serpenteante que a levou a uma mansão isolada. O céu era aberto, sem nuvens, e incidia naquele espaço com a sua calma de sempre. A mosca sobrevoou a mansão, que era dourada, e colou-se a uma larga janela que tinha vista para a sala de estar. Um rapaz gritava sozinho enquanto empunhava um CD partido de um jogo qualquer, e uma rapariga, também furiosa, atirava com força bonecas que tinha estragado ao brincar. Mas, tanto o rapaz como a rapariga tinham objetos idênticos e novos espalhados pela divisão. Colou-se numa janela mais acima, onde viu uma mulher que chorava silenciosamente, num pranto mudo. Tinha marcas vermelhas nos braços, coisa que a mosca não conseguiu compreender porquê, e um olhar tão triste. 

w

Depois de sair da mansão, percebeu que era não só a única mosca, mas o único inseto daquele espaço tão bonito, tão puro no seu parecer. E a sensação é que o lugar, apesar de tão belo, tinha deixado nas suas asas uma profunda tristeza. 

PUB

w

Pela primeira vez na vida, pensou. Pensou que não fazia sentido que as moscas, insetos maçadores e incomodativos, só importunassem os espaços mais feios. Deviam, pelo contrário, ir ter com o que é bonito, a fim de mostrarem a todos os visitantes que o que é belo pode ser feio, e o que é feio pode ser belo. 

w

Cada vez mais fraca, muito cansada e com as forças a diminuir, subiu até às nuvens. Aqui, e porque céu e as suas nuvens são sublimes no seu todo, sem qualquer senão, a beleza do espaço, o silêncio e poder olhar as estrelas um pouco mais perto, sentiu uma leveza única nas suas asas e uma espécie de verdade no seu olhar tão apressado de movimento. Esfregou novamente as patas, e já sentia um certo ardor por estar sempre nesse movimento e decidiu regressar. 

w

Desceu a pique, mas agora já não iria voar. Usou os seus últimos segundos e esforços vivos para ir em direção a uma janela aberta de um lar de uma família de vários membros naquele primeiro lugar. Levemente, pousou numa bola amarela que fora usada naquele jogo de futebol. Sabia que, ali, findaria a vida com felicidade. Sabia que, ali, estava rodeada pelos milhares de zumbidos que ouvia constantemente das centenas de asas da sua espécie. Sabia que podia trocar o olhar, pois ninguém sorriria do seu aspeto. Sabia que ainda iria voar. Sabia que… 

  Partilhar este artigo