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O INCRÍVEL TRABALHO DE CARLOS PONTES

Carlos Pontes

Natural de Ponte Barca, Carlos Pontes tem vindo a destacar-se cada vez mais pelas suas incríveis fotografias do mundo natural minhoto. Com apenas 30 anos, os percursos foram vários. Para além do curso de informática, já passou pelo mundo da música, desenvolveu projetos de design, e frequentou o primeiro ano de Engenharia do Ambiente, onde conseguiu algumas bases de biologia.

No entanto, a incompatibilidade com o trabalho da altura, não lhe permitiu conciliar os estudos e estes acabaram por ficar de parte. Atualmente encontra-se a desenvolver um projeto, no âmbito da agricultura biológica, dividindo todo o tempo extra com o mundo da fotografia. O Minho Digital quis saber um pouco mais e foi ao encontro de Carlos.

 

Minho Digital (MD) – Como é que surgiu o interesse da fotografia?

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O interesse sempre esteve lá, mas houve realmente um momento decisivo que desencadeou um “despertar” pela fotografia. A partir dos meus oito anos comecei acompanhar o meu pai na caça e a participar nas montarias, o que fez com que eu tivesse uma ligação mais próxima com a serra e os animais. Mas há um em particular, que sempre me cativou em especial, o lobo. Durante as esperas noturnas do javali, foram muitos os encontros com este animal, presenciando as suas caçadas, as suas disputas pela comida, ouvindo os seus imponentes que pareciam acompanhar-me a cada jornada. Então, por volta dos meus vinte anos houve um momento em que, numa montaria apareceu-me um lobo, um dos mais bonitos que eu já vi até hoje. Eu tinha uma carabina na mão, através da mira telescópica apontei para o ver mais de perto, e aquela imagem que vi na mira, fez-me sentir que devia ter uma máquina fotográfica nas mãos e não uma arma. A partir desse momento comecei a ver as coisas de outra forma e por esse e outros motivos, deixei a caça e troquei pela espingarda a máquina fotográfica. Em 2008 comprei a minha primeira câmara e a partir daí comecei a desenvolver a fotografia, muito em torno do lobo, devido às experiências de contactos anteriores, com momentos únicos.

 

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Águia de asa redonda

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MD – Quando é que as tuas fotografias ganharam mais reconhecimento?

Em 2009, durante uma das saídas para fotografar, deparei-me com um casal de lobos, numa zona, em que já há muito anos, havia poucos ou nenhuns sinais de presença. Pensei que este era um ótimo sinal e comentei com um amigo. Este, por sua vez, achou igualmente interessante, e como tinha uma boa relação com o Dr. Francisco Álvares*, pediu-me para lhe fornecer essa informação. Nesse contato, o Dr. Francisco mostrou todo o interesse e quis saber mais informações daquela alcateia, pois nos seus estudos anteriores tinha sido dada como extinta. Isto eram ótimas e importantes notícias para a sua investigação. A partir daí comecei a estudar a alcateia a fundo, recolhendo todos os primeiros dados importantes, o que me permitiu ao tempo ganhar conhecimento de campo e aprender ainda mais sobre a biologia do animal. Desde então sinto um compromisso para comigo mesmo, com a responsabilidade de todos os anos confirmar a reprodução destas alcateias. Com o aprofundar do meu estudo sobre os lobos, vi-me também na obrigação de estudar toda a sua cadeia alimentar, o que também me permitiu estabelecer outro tipo de contacto com os animais que me ia cruzando na natureza.

* Investigador do CIBIO (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos), com principal foco no estudo do Lobo Ibérico, em Portugal

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MD – As tuas fotografias encontram-se disponíveis em algum site de venda?

Cheguei a explorar essa opção, mas depois vi que não valia a pena. Para além de esses sites terem cotações muito abaixo do valor real, provavelmente se as imagens fossem compradas, seriam utilizadas para propósitos diferentes, sem que houvesse o reconhecimento do verdadeiro valor que elas representam.

 

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MD – De que outra forma partilhaste as tuas fotografias com o público?

Já me convidaram para fazer exposições, mas senti que este não era o momento certo. Talvez mais para a frente, aqui em Ponte de Barca.

 

MD – Tens alguma pessoa que te ajude nas saídas ou nas fotografias?

Não, todo o trabalho que faço, desde o reconhecimento do terreno, ao registo fotográfico, é exclusivamente desenvolvido por mim. O facto de só eu conhecer certos locais para fotografar é uma forma de garantir o sigilo destas localizações, evitando possíveis situações desfavoráveis para os animais.

Cabra-Montês

MD – Para além do Dr. Francisco Álvaro (CIBIO), foste contactado por outras entidades, como por exemplo o Grupo Lobo; ACHLI– Associação de Conservação do Habitat do Lobo Ibérico; ASCEL – Asociación para lá conservación y estúdio del lobo ibérico ou até mesmo a SPEA, considerando que também fotografas aves?

Não. Dos contactos que tive, todos giraram mais à volta do lobo, tendo em conta que é onde eu me foco mais. Surgem sim, contactos de diversas pessoas, com diferentes propósitos, tanto investigadores como particulares, interessadas em saber onde é que podem ver o lobo e quais as zonas indicadas para tal. Dependendo das situações, eu tento ajudar. Claro que faço sempre o máximo de cuidado para não revelar informações, que em mãos erradas causaria consequências. São imensas as pessoas que perseguem o lobo, pelas mais diversas razões. Também já fui contactado por empresas de turismo, para explorar essas mesmas zonas, o que na minha opinião também seria desastroso, tendo em conta a pouca área que temos. Em Espanha por exemplo, não é o caso e tudo funciona muito bem. No caso da Sierra de la Culebra, graças à organização que possuem, com forte as áreas fortemente vigiadas, guardas de reserva permanentes e onde ressalvam o lobo contra a furtividade, conseguem faturar por ano milhões, e assim conseguem manter os povos e serra.

 

MD – Como é que escolhes, ou defines um dia para ir fotografar?

Normalmente, sempre que posso vou fotografar, tenho sempre mais ou menos uma ideia daquilo que pretendo, mas o fator mais decisivo é o tempo sem dúvida. O vento, por exemplo, tanto pode ser favorável para as esperas, mas de repente pode mudar de direção e já não consigo ver nada, ou então a minha presença é facilmente revelada. No caso das últimas fotografias que postei da cabra-montês, por exemplo, para além destes animais serem pouco acessíveis, andei todo o dia com neve e granizo, o que dificultava muito a caminhada e para além disso, com todo o material, que também fica exposto. Apesar das poucas condições, tive a oportunidade de registar imagens únicas que se vê com pouco facilidade. Nem toda a gente consegue caminhar na neve, com material, naquelas condições ou passar noites ao frio, mas por vezes isso tudo é ultrapassado, quando regressas e na mochila tens as imagens que querias. Para a primavera voltarei ao mesmo local, já tenho em mente uma imagem noturna que quero para fazer, mas com bom tempo.

Corço

MD – Qual é o equipamento que costumas levar para uma saída fotográfica?

Quando saio levo sempre a mochila, onde constam uns binóculos, tripé (essencial), câmara, várias lentes (nunca se sabe o que pode surgir), redes e fato de camuflagem, para o caso de fazer uma espera, comida, água e café numa garrafa térmica, em caso de longas horas de espera. Também é importantíssimo levar boa roupa. O tempo na serra é instável e a amplitude térmica do dia para a noite varia imenso, mesmo nas noites de verão.

 

MD – Quanto aos lobos, quando vais fazer um registo, sabes exatamente onde encontrá-los? Sabes os locais definidos das alcateias?

Sim sei, praticamente todas. Ao longo destes anos todos, fiz muita pesquisa, aumentei o conhecimento, com muitas horas de campo e muitas horas sem dormir. E mesmo assim não é o suficiente. Existem uma série de variantes que podem condicionar uma espera, e a verdade é que 90% das vezes são de insucesso. Tenho muitos registos com fraca qualidade, mas mesmo assim servem como estudo de certos hábitos do animal.

 

MD – Já alguma vez eles te encontraram primeiro?

Sim já, muitas vezes.

 

Lobo Ibérico

MD – Quanto tempo costumas estar fora numa dessas saídas?

Depende muito para onde vou e que animal ou animais pretendo fotografar. Por norma, faço quase sempre a espera em locais já programados, e quando assim é, faço sempre entre a altura do crepúsculo, com um mínimo de 3h de cada espera. Das saídas mais longas que fiz, saía por volta das 21h e regressava às 6h da manhã.

 

MD – Quando filmaste aquela alcateia com as crias de lobo, estavas à espera que o vídeo atingisse tantas visualizações?

No início até estava reticente, se colocava ou não, até porque as imagens não estão como eu pretendia, mas depois achei o momento tão ternurento que não resisti a partilhar com toda a gente.

 

MD – Tendo em conta a proximidade que já tiveste com estes animais, consideras o lobo perigoso para o Homem?

Não, de todo. Já tive inúmeras experiências com contacto direto e nunca me estive em perigo por isso. Considero o javali muito mais perigoso do que o lobo por exemplo.

 

Raposa Vermelha

MD – Qual é a tua opinião acerca da relação lobo/Homem? Achas que será possível acabar com parte das divergências por exemplo?

Essa é talvez a questão mais problemática e com mais discussão possível. De uma forma resumida, acho que essas divergências dificilmente irão acabar. A relação do lobo com o Homem já não é de agora, e dependendo dos sítios, vê-se que o modo de lidar com a situação é proporcional ao tempo dessa relação. Em aldeias que sempre estiveram habituadas ao lobo os cuidados são outros, e isso também se reflete nos ataques. Não vou dizer que não os hajam, mas são muito menores. O cuidado de guardar o gado, em locais menos expostos, com cães de guarda são hábitos que outras aldeias perderam e agora sofrem mais com isso. Depois ainda há a questão das montarias. Já cacei durante muitos anos e sei como as coisas funcionam. Posso garantir, a caça desorganizada como está, só ajuda a diminuir a disponibilidade alimentar do lobo, e consequentemente a aumentar os ataques ao gado. Aliás cheguei a fazer um trabalho sobre isso que está disponível para consulta*.

* http://www.santohuberto.com/sh_conteudo_imp.asp?id=1496

MD – Já alguma vez estiveste em perigo num destas saídas?

Sim já. Há dois anos, fui lá fazer uma espera num local para o qual eu vou, todos os anos, para confirmar a reprodução de uma das alcateias. No entanto, os acessos são muito difíceis e muito perigosos, e para evitar deslocações fico sempre lá acampado, dois ou três dias. Mas nesse ano, como o mato da serra tinha ardido há uns anos, estava enorme. Como resultado, durante esses três dias não consegui ver um lobo e fiquei frustradíssimo. Vis raposas, corços, javalis e todos os dias ao cair a noite, os lobos uivavam, mesmo à minha frente, ouvia as crias mesmo ali pertinho e não conseguia ver nada. Ao fim desse tempo todo, decidi tentar outra zona, ainda mais escarpada ainda e tentei descer o máximo possível para conseguir um bom local. Como continuei a não ver nada, tirei umas fotografias do cenário e decidi regressar. A meio do caminho, por volta das 22h, ao percorrer a encosta, apoiei mal o pé em cima de uma pedra e caí, ao mesmo tempo que ouvi um estalo, e pensei “Parti o pé!”. Por sorte, a minha namorada estava a 2 km e liguei-lhe logo para me ir buscar. Quando chegou já eu estava a entrar em hipotermia, isto no mês de Agosto. Como resultado tive de ficar quase dois meses sem me mexer. Felizmente, logo depois de recuperar consegui confirmar a reprodução.

 

MD – Existe alguma referência para ti quanto à temática do lobo, onde te baseias para recolher informação e te orientares?

Sim, o Félix Rodriguez de La Fuente! Para mim é um dos melhores naturalistas e o maior impulsionador da fauna ibérica. Recomendo vivamente a explorar toda a sua obra, todo o seu trabalho que é verdadeiramente incrível.

 

MD – Para quem se quiser informar um pouco mais sobre o lobo o que aconselhas?

Existem muitos bons documentários, feitos principalmente em Espanha. “El Hombre y la Tierra”, por exemplo, foi precisamente dirigida pelo Félix Rodriguez de la Fuente e chegou a passar muitos anos na televisão. Atualmente os vídeos podem ser encontrados no Youtube. O documentário “Las Montañas del Lobo” também pode ser facilmente encontrado, e retrata a vida do lobo em Espanha. O filme “Entre Lobos”*, de produção espanhola, para além de falar do lobo também relata a relação com o Homem.

* http://www.cinefox.cc/ver447/entrelobos_pelicula-completa.html

 

MD – Quanto ao futuro, esperas continuar a fotografar e ganhar mais dimensão?

Sim claro, sem dúvida! Tenho bastantes expectativas, mas do futuro só o futuro dirá (risos).

 

NOTA DO MINHO DIGITAL: As fotos, exclusivas, foram amavelmente fornecidas por Carlos Pontes ao ‘Minho Digital’.

 

 

 

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