Editorial

ADAM: Reversão ou Renegociação?
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Cristina Miranda

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É o assunto do dia no distrito de Viana do Castelo. Um tema a que ninguém consegue ficar indiferente pela perplexidade que trouxe na questão da gestão das águas. De facto, como podemos calar a indignação perante tanto erro com: pagamentos em duplicado, estimativas de consumos e facturas que incluem vários  meses e que fazem elevar a despesa  para o escalão máximo? 

Contudo não se pode ir à boleia das eleições autárquicas,  prometendo uma reversão  sem acautelar as consequências. Porque por muito mal que estejamos hoje, pior podemos ficar se não forem  salvaguardados todos os interesses dos consumidores. O que, verdade seja dita,  não foi de todo feito no acto da assinatura deste contrato, que já era profundamente lesivo, mas que parece não ter impedido ninguém de o assinar. 

Tive acesso ao contrato celebrado entre os municípios e as Águas de Portugal e fiquei boquiaberta. Este documento contém cláusulas que prejudicam gravemente os consumidores.  Uma delas  –  Reposição do Equilíbrio Económico Financeiro -, por exemplo,  prevê a garantia – à Entidade de Gestão Privada -,  de retorno financeiro em caso de prejuízos. Isto não vos lembra nada? Eu ajudo: as PPP,s rodoviárias, celebradas por Sócrates, o “príncipe das arábias” português, em que o Estado nelas representado, assinou contrato onde dá compensação sempre que há prejuízos para utiilização de utentes. Lindo não é? Noutra cláusula, temos “Desvios de Compensação de Gastos”. Ou seja, nenhum risco de actividade é suportada pela EGP. Como diria o saudoso Fernando Pessa: “E esta, hein?!” 

Depois há uns critérios para a fixação  de tarifários que são dignos de análise pois está previsto o “ equilíbrio tarifário” sempre que o consumo reduza, ou seja, se a entidade gestora não facturar o suficiente para cobrir as despesas porque houve uma poupança de água/melhor gestão de consumos por parte da população, pode ajustar o tarifário. Portanto, poupar água pode fazer disparar os preços do tarifário. Não devia ser ao contrário?  Não pagamos já um preço fixo para garantir os custos de manutenção e gestão do sistema? Porquê esta variável? A água é um bem natural. Não é produzido. Não pode ser gerido desta forma.

Sendo esta parceria público-privada, pergunto, ainda: onde estavam os representantes dos munícipes na hora de assinar este contrato LESIVO dos interesses dos consumidores? Como foram capazes de assinar este documento nestes termos claramente abusivos ao estilo das PPP,s do Sócrates? Estavam cegos? Assinaram de cruz? Qual é a justificação? 

 

A justificação da cegueira momentânea  pode estar relacionada com a promessa de cargos como se pode ver na constituição dos órgãos sociais: 

 

Conselho de Administração: João Pedro Moura Castro Neves (presidente), Vítor Lemos, vogal não executivo, vice-presidente da Câmara de Viana, Fernanda Maria Machado, vogal executiva, Célia André, vogal não executiva e Vítor Pereira, vogal não executivo, presidente da Câmara de Paredes de Coura.

A mesa da Assembleia Geral: João Manuel Esteves, presidente, autarca de Arcos de Valdevez, Paulo Fernandes,  vice-presidente e Ana Cristina Pereira, secretária.

O Conselho Fiscal: Maria Albertina Rodrigues, presidente, Maria Augusta Tomé ,vogal efetiva e Jorge Mendes, vogal efetivo, presidente da Câmara de Valença e Pedro Canteiro, vogal suplente.

Ademais, esta parceria é detida em 49% pelos municípios e está representada por uma Comissão de Parceria nomeada pelo Estado com a função de FISCALIZAÇÃO e CONTROLO da gestão privada. O que andou a Comissão de Parceria a fazer até ao aparecimento das milhares de queixas? E já agora,  por que razão só negociaram 49% da parceria e não 51%? A água não é um bem público? 

Dizer aos munícipes que a reversão é a melhor solução sem uma análise minuciosa e independente de especialistas a este contrato, é andar a surfar no populismo para ganhar votos à conta desta problemática.

 

É preciso recordar que em Barcelos e Paços de Ferreira  foi prometido a reversão do contrato de parceria de exploração das águas. O resultado foi o seguinte: o Tribunal arbitral condenou ambas as autarquias a uma indemnização de 172 milhões e 100 milhões, respectivamente, o que as levou a enveredar pela renegociação com a entidade de gestão privada baixando para metade o custo da água. Em Paredes a mesma coisa: indemnização de 133 milhões

Por cá há quem diga que não há custos pela reversão e que se pode invocar a rescisão por justa causa por via dos erros de facturação e leituras. Porém encontrei esta cláusula que me deixa dúvidas. Está descrito que essa violação contratual  incorre apenas numa multa leve:

Fala, porém, na possibilidade de alteração do contrato por ACORDO das partes:

O que acontece em caso de não haver entendimento? Segue para um Tribunal Arbitral. Mas alguém acredita que neste tipo de contratos manhosos  não estão devidamente assegurados os interesses do gestor privado em caso de rescisão? Lembram-se do contrato assinado por Sócrates com o TGV que não seguiu mas estamos a pagar mesmo sem TGV?

Pode um  Município vender as suas acções e sair desta parceria? Provavelmente até poderá fazê-lo. Falta saber com que custo. 

 

Não sou  contra as privatizações. Muito pelo contrário: entendo  que é o caminho certo para reduzir o Estado obeso e oneroso que temos presentemente pois como sabemos, é já apanágio dos serviços públicos do Estado serem  ineficientes, e com prejuízos CRÓNICOS que roubam biliões ao  erário público todos os anos. Em 2015, o sector empresarial do Estado, registava até ao final de Setembro um prejuízo de 34 mil milhões de euros. 

 

Nesse contexto, acredito nas parcerias público-privadas com as Câmaras Municipais desde que sejam geridas com RESPONSABILIDADE, transparência e seriedade. Fica mais barato às autarquias e o consumidor só tem a ganhar em qualidade de serviço e preço. Mas obviamente que tem para isso de deter uma posição que lhe permita o controlo e fiscalização quando se trata de um bem público

 

Porém, não foi o que aconteceu com a ADAM como se pode verificar neste contrato. Além disso, e para agravar ainda mais este cenário dantesco, temos  os inúmeros gastos em adjudicações directas ( duas delas à mesma entidade com valores diferentes e no mesmo dia!). Repito: adjudicações DIRECTAS!

Enquanto Presidente da Comissão Política Distrital que represento, jamais irei praticar demagogia à conta da ignorância dos cidadãos. Nós não faremos isso. A verdade acima de tudo. Esta é a nossa posição. Lutaremos junto da população para repor a justiça naquilo que consideramos ser um bem essencial à vida. Mas jamais  iludiremos os munícipes para que depois se sintam defraudados quando, por inevitabilidade, não for possível uma reversão limpa, e  sem custos para o consumidor. 

Reversão ou renegociação? Depois do mal estar feito e aprovado, a que tiver menos impacto no preço do consumidor final e nada menos do que isto. 

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