Instantes de Poesia

Momentos de poesia por Eugénio de Sá.

ELES EXISTEM!

 

Mas a sociedade ignora-os, ostraciza-os,

Só finge querer saber deles,

Dos sujos despojos urbanos

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

Em que se tornaram.

 

São os Sem Abrigo,

Os que esqueceram as lembranças

Entretanto adormecidas nos seus próprios silêncios.

 

Dormem nos colchões do tempo

Cheios de cheiros e de remorsos,

Fazem um ninho de cão,

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E isso lhes basta para repousar o corpo

e a alma, ambos doridos.

 

Exilados de qualquer dignidade humana

Vestem roupa velha e suja

Que há muito não vê água nem sabão,

Tal como o seu corpo abandonado.

 

Para dormir, procuram as ruínas de qualquer casa devoluta,

Povoada de roedores, de pulgas, e de esquecimento.

 

À falta desse “aconchego”

Embrulham-se em jornais ou em cartão.

E basta-lhes um alpendre ou um esconso

Escondido dos olhos de quem passa.

 

Durante o dia vagueiam

Procurando passar despercebidos.

Neles, só repara algum caridoso coração

Cada vez mais raro.

 

Mas à noite alguém virá trazer uma sopinha quente

E um pão para comer de manhã.

 

… E uma palavra amiga,

Mas o seu sono já só lhe ouve o eco.

Poesia

 

 

AD MAJOREM DEI GLORIAM

(Para maior glória de Deus)

 

Sonhei um dia ser cavaleiro cruzado

Navegando no Mar mediterrâneo

Deixando para trás a epopeia

E o sepulcro de Cristo bem guardado

 

Godofredo Bulhão o chefe bem-amado

Qual campeão de Deus, vitorioso

Rei de um Jerusalém esplendoroso

E o infiel a seus pés, já dominado

 

Desse medonho embate memórias guardo vivas

Do bravo resfolgar dos corcéis de batalha

Ao cruzar das espadas no assalto da armada

E os prenúncios de morte em armaduras fendidas

 

Cingida ao peito tinha a Santa cruz

E a protegê-la malha e armadura

Contra elas chocaram setas e a metralha

E cimitarras mouras chispando como luz

 

Já o elmo caíra a golpes de machado

E o punhal sarraceno descia vingador

Quando ferido e sem força que dominasse a dor

Vi de uma só lançada o mouro trespassado

 

Senti que Ele me guiva naquele dia em seu preito

Cristo estava comigo na contenda

Ditando a minha sorte nessa manhã tremenda

E a Sua cruz incólume pendia-me do peito

 

Jerusalém ardia plas muralhas abertas

Nos gemidos dos feridos esbatia-se o fragor

Da vitória por Cristo dos mortos por amor

Drapejavam bandeiras nas ameias desertas

 

Da costa de Israel já não vejo o recorte

A barca segue lesta com a brisa a soprar

E os cavaleiros cansados de tanto pelejar

Encostam-se à amurada que lhes ampara o porte

 

Acordo desse sonho mas não perco o registo

Dos defensores da fé, bravura e a glória

E da nobreza com que souberam conquistar a história

A golpes de montante; os Cavaleiros de Cristo.

 

Evocação da Primeira Cruzada

– Tomada de Jerusalém, em 1099 –

Poesia

A HISTÓRIA DE UM GRANDE AMOR

 

Aqui sentado à lareira c’o vento a soprar lá fora

Abre-se o peito à fogueira e o coração então chora

É o tempo das memórias partilharem esta ardência

É o tempo da saudade vir misturar-se no lume

Deste cigarro que arde e veio acender-me o nume

E o fumo perpassa a porta ao encontro da tua ausência.

 

Cerro os olhos e relembro a vida que partilhámos

Tantos anos a teu lado, e aquilo porque passámos

Índa ontem, meu amor, lá estive aonde tu estás;

Passeei plo teu jardim e pensei muito em você

Perscrutei entre os ciprestes esperando não sei o quê

E voltei já à noitinha, mas sempre olhando pra trás.

 

Ah, este vento que brama lembra queixumes doídos

Na solidão desta casa ainda ouço os teus gemidos

E as pancadas do relógio são a minha companhia.

Sei que no mundo em que estás, nessa outra dimensão

Do tanto que tu me queres, sentes que este coração

Só espera pla bendição de ao teu se juntar um dia.

Poesia

 

 

“Se fores ao Minho, risonho e franco…

de verão verdinho, de inverno é branco”

 

OS TONS DO MINHO

 

Terras do norte, minhotas

Viras do povo em Agosto

Em Setembro cheira a mosto

Em todas as aldeotas

 

É verde o vinho e a vida

No Minho de Portugal

Romarias e arraial

Deixam mágoas da partida

 

De Braga a Ponte do Lima

de Viana a Valdevez

tudo é cambraia mais fina

bordada pelo Gerês

 

De quem vai saudade fica

Dos que ficam com a tristeza

Mas vizinhos da beleza

Desta região bendita

 

Há flores marginando estradas

Água correndo dos montes

Para as cristalina fontes

Ou p’ras regas nas levadas

 

O gado pasta nos campos

E carroças carregadas

Com parelhas atreladas

Transbordam feno e encantos

 

E as cores do sol no poente

Pintam de oiro o sorriso

Naquela gente de siso

Que trabalha alegremente

 

Das telas dos paraísos

Nos verões da nossa saudade

O Minho é por ser verdade

A terra dos tons precisos

Poesia

TERRAS TRANSMONTANAS

 

Rochoso, o solo agreste lusitano

Rocha se chama o seu maior poeta

Austero, cada templo transmontano

 

De pedra é a paisagem dominante

Em penedias descendo pelos montes

Infundindo respeito ao visitante

 

Sem recuar perante adversidade

Cada um dos seus filhos é genuíno

Desconhece-se nele a falsidade

 

Cavam-lhe a face as rugas do trabalho

Que o granito esculpiu e o sol tostou

Nos frios, lembra memórias ao borralho

 

Belas alheiras e a posta mirandesa

Sábio presunto e mágica vitela

São faustos desejados sempre à mesa

 

Simples são as comidas desta gente

Sóbria no paladar como na vida

E no infortúnio, sempre está presente

 

Dentre o melhor do povo português

Outros não há mais nobres e honrados

Pois se lhes lê na fronte a honradez.

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