Joaquim Letria
Professor Universitário
Há 50 anos vivi no Brasil, para onde fora enviado pela Associated Press, como reforço do escritório de São Paulo, e ali pude assistir à imposição do Acto Institucional 5 (AI5) que foi a tomada do poder pela Ditadura Militar.
Recordo-me como se fosse hoje. Eu estava em Olinda, entrevistando D. Helder Câmara, e recebi no meu hotel no Recife uma mensagem de Nova York a avisar-me do que se passava. Apanhei o primeiro avião que saiu para São Paulo onde encontrei os tanques na rua e os militares espalhados pela maior e mais importante cidade do País, situação que ocupou todos os jornalistas americanos, brasileiros e este vosso português que ali ocupavam o movimentado escritório da AP na Rua do Marechal Quedinho.
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Começou assim um dos períodos mais negros da História do Brasil, com o desencadear de prisões arbitrárias, sequestros e mortes, situação que se prolongaria ao longo de 17 anos. Lembro-me que quatro dias depois de ter aterrado em São Paulo proveniente do Recife recebi guia de marcha para ir para Brasília, então a jovem capital daquele fascinante País para me encontrar com os mais destacados políticos dos principais partidos, muitos deles ainda atordoados pela rapidez, eficácia e violência da intervenção dos militares que suspendiam todos os direitos cívicos e humanos impondo uma das mais brutais ditaduras de que há memória no século XX.
Os militares não haviam perdido tempo, desencadeando uma guerra negra com violentas explosões, assaltos a bancos, roubo de explosivos de pedreiras e brutais assassínios todos estes actos executados de modo a poderem ser atribuídos à esquerda. Hoje, há confissões e documentos que comprovam a veracidade destes actos terem sido desencadeados de modo a servirem para a preparação e justificação do golpe.
Os atentados, assassínios e assaltos foram executados por um grupo de paramilitares cuja maioria era originária da chamada Força Pública, na verdade um ramo da Polícia Militar que executou 16 atentados à bomba, assaltos diários a bancos, execuções sumárias e roubos de explosivos de pedreiras, tudo isto sob o comando dum tal Aladino, criminoso impiedoso, cujo papel é hoje conhecido ao pormenor em documentos e autos que entretanto foram libertados.
Tendo vivido tudo isto, quando vejo um candidato à Presidência como Bolsonaro colocar-se numa posição que pode valer a vitória de eleições democráticas fico com uma grande mágoa porque o povo brasileiro não merece sofrer mais para além de tudo o que já sofreu. Os responsáveis por isto são os partidos de esquerda que se descredibilizaram e a vulnerabilidade da população à propaganda selvagem dum louco que pode arrastar grande parte dela para a prática duma violência e dum clima de medo que já devia ter desaparecido para sempre.