Editorial

PECULIARIDADES DO FIM-DE-SEMANA: UM TAXISTA DE PARIS E UM MECÂNICO DE ASSOMADA
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Nadir Faria

Nadir Faria

Cooperante

 

Partilho duas histórias do mesmo fim-de-semana, que têm que ver com carros.

A primeira diz respeito a um encontro que se deu em Fonte Lima – uma aldeia mesmo na entrada de Assomada. Fomos convidadas a visitá-la por uma associação. Lá fomos recebidos por um jovem que poderia ser um jovem como qualquer outro jovem cabo-verdiano.

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

 

Mas a primeira peculiaridade que lhe notei foi a pronúncia do português – identifiquei como sendo português de Portugal. Não comentei! Poderia estar perfeitamente enganada e usar desnecessariamente de um comentário que poderia ser entendido como um pré-juízo!

O jovem mostrou-nos as coisas boas de Fonte Lima: a cerâmica, as pessoas, a natureza, a agricultura, a água que vem das montanhas… E conversa puxa conversa venho a confirmar o meu pré-juízo: filho de pais cabo-verdianos, nasceu em Portugal – “justificada” a pronúncia – e é emigrante em França. Profissão? Taxista. Onde? Paris! Quão inusitado pode ser encontrar um taxista de Paris a servir de guia numa aldeia tão pacata em Cabo Verde? Bastante, do meu ponto de vista! Efeitos positivos da pandemia…

Após a visita a Fonte Lima sentimos um “cheiro a quente” no carro. Verificámos o nível da água no radiador. Estava baixo. Colocámos mais. Bastante mais! Em Assomada, logo a seguir, fomos procurar um mecânico, para nos certificarmos que não havia nenhum problema e poderíamos continuar viagem.

O senhor era mais velho e adivinhava-se-lhe um ar um pouco sisudo por baixo da máscara. Disse que não era nada preocupante! Que apenas tínhamos colocado pouca água. Mencionámos que tínhamos acabado de colocar uns quantos litros. “Refilou”: era pouca! Achámos tudo estranho. O termómetro não tinha dado sinal de aquecimento, já tínhamos colocado água antes do início da viagem e há muito pouco tempo… Perguntámos se poderíamos chegar a Rincão sem problemas? Sem problemas, garantiu! Garantiu bem! Chegámos mais tarde que o previsto mas bem.

Depois de um dia inteiro parado, no domingo era preciso voltar a Assomada para dar boleia a uma pessoa para Rincão. O nível de água foi verificado em Rincão e à chegada de Assomada. Continuámos a achar que o carro aquecia e perdia água – embora, não entendêssemos por onde. Em Assomada, esperámos que arrefecesse um pouco, abrimos o capô, abrimos a tampa do depósito e, quando demos à chave, a tampa escorregou e caiu! Procurámos, procurámos… Tivemos que ligar ao mecânico e explicar ambas as situações: a da água e a da tampa. Disse-nos para irmos ter com ele. Como a distância era curta, poderíamos ir sem a tampa. No caminho, ainda parámos em duas lojas para tentar comprar uma tampa nova – não havia.

O senhor desatarraxou o depósito da água e fez-nos tentar acompanhá-lo para procurarmos uma tampa – tentar porque andava muito rápido – enquanto o segurava numa das mãos e ao cigarro na outra. Foi-nos dando ordens sobre por onde seguir e encontrámos várias lojas fechadas – era domingo, pois claro! Peculiaridades de Cabo Verde, as lojas tinham o número de telefone para onde ligar e em todas houve quem nos viesse abrir a porta. Não houve quem tivesse a tampa. Com o seu ar sisudo e passo determinado, ordenou-nos que voltássemos. Ele iria improvisar uma forma de fechar o depósito e compraríamos uma nova na Praia. Ao atarraxar o depósito no lugar, uma das chaves inglesas escorregou-lhe e caiu. Ao recuperá-la pressentiu que a tampa poderia estar exatamente no lado oposto e disse-nos que era hora de rezarmos. A tampa estava lá! Depois de quatro pessoas já a terem procurado! Disse-nos que era uma questão de acreditar, de ter “o coração limpo”.

Fez mais uns ajustes, colocou mais água, voltando a garantir que não íamos ter problemas com o carro. Não cobrou nada, tal como não tinha cobrado na primeira vez!

Conseguimos cumprir o programa do fim-de-semana e voltar à Praia sem mais “problemas”. Guardarei várias pessoas com quem estivemos mas guardarei com certeza o taxista de Paris e um mecânico de Assomada!

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