Editorial

Valerá a pena uma vida sem vícios? O fim do papel e as redes sociais
Picture of Damião Cunha Velho

Damião Cunha Velho

Partilhar

Eu acho que uma vida sem vícios não tem muito sentido. Viver sem vícios é o mesmo que comer uma comida sem sal.

É certo que quando a saúde o dita não há outro remédio. Porém, existem vícios saudáveis.

Parece-me que um vício que é comum a todos é o da literatura. Hoje todos lemos. Não importa se o assunto é cor-de-rosa ou de natureza mais intelectual ou académica. A verdade é que todos lemos nem que seja quando estamos de olhos postos no telemóvel.

Quando fiz a minha tese de mestrado, já há muitos anos, disse ao meu orientador que o papel iria acabar. O meu orientador de mestrado riu-se e disse que isso era impossível porque ele, como outros, não podia viver sem o cheiro dos livros.

Decorridas mais de duas décadas, a verdade é que hoje conversamos por Messenger, enviamos emails e não cartas ou faxes, as receitas médicas são eletrónicas, os livros são digitais e por aí fora.

Arrisco-me até a dizer que o papel higiénico terá os dias contados.

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

Muitas das nossas tecnologias usadas no dia-a-dia foram copiadas pelas usadas pelos astronautas nas naves espaciais. E as sanitas “xpto” já estão a caminho do cidadão comum.

A resposta que dei ao orientador foi que a tecnologia também lhe dará o cheiro dos livros quando isso for possível. E, não me parece algo que nos esteja hoje muito distante.

Os leitores não são hoje leitores de livros no sentido tradicional, sobretudo os mais jovens.

São leitores de e-books, de jornais eletrónicos, de “posts” nas redes sociais e comentadores on-line dos mais diversos assuntos em que já não nos lembramos do papel.

Mal ou bem letrados, hoje todos somos pessoas letradas.

A literatura é o maior e democrático vício da atualidade. Os grandes escritores, de textos sagrados ou do gosto educado, já perceberam que o leitor se deu conta de que a sua genialidade não é assim tão incomum, com as devidas exceções.

Não o é porque o comum dos leitores pode “checkar” o que o escritor disse ou como simulou, por exemplo, confortar-nos pela palavra. Uma inovação já patenteada pelo filho de um carpinteiro há 2000 anos chamado Jesus. Daí o livro como ansiolítico também não ser uma novidade.

A literatura destes novos tempos é sobretudo nas redes sociais. Um vício com prós e contras. Um dos contras já foi identificado pela psicologia. Cada vez que recebemos um like, o cérebro liberta dopamina. A sensação de prazer é evidente e pode causar dependência. A fragrância sensual de um like pode provocar estragos.

A dependência desta “aprovação” pode levar a escrever não o que se pensa, mas o que os outros querem ouvir.

Então, podemos todos, enquanto viciados, tornar este ambiente literário num ambiente ovino. Ou, como diria Natália Correia transformarmo-nos num “animal que espeta os cornos no destino”!

Esta perspetiva é de certa forma assustadora, mas parece-me realista e continuar a negá-la pode vir a dar mais terreno para que os aspetos negativos cresçam.

O vício testa o limite do nosso corpo, daí o perigo quando perdemos o controlo. Porém, é ao mesmo tempo um verdadeiro libertador da nossa essência. É-o porque mostra o homem como um ser natural, verdadeiro e avariado.

No fundo, o que nos diferencia das máquinas!

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Mais
editoriais

Junte-se a nós todas as semanas