Editorial

MÁRIO NEVES E MANUEL PACHECO DE MIRANDA: CREDORES A QUEM NUNCA PAGAREI O QUE DEVO
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Joaquim Letria

Joaquim Letria

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Ausências profissionais e obrigações académicas retardaram-me o suficiente para perder as despedidas e não poder acompanhar às últimas moradas dois amigos credores de muita amizade e de elevada consideração, ambos figuras últimas e máximas duma escola e duma geração de jornalistas.

Refiro-me a Mário Neves e a Manuel Pacheco de Miranda, dois homens que acompanharam as grandes vicissitudes do século XX , de modo a terem merecido ver a aurora do novo milénio com a lucidez ímpar que não resistiu ao desgaste da matéria que não perdoou a vida dos seus corpos.

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A Mário Neves, meu primeiro director, meu tutor profissional, que me deu a primeira de todas as oportunidades e acreditou em mim o suficiente para me permitir ter-me tornado no profissional que ele e outros me ensinaram a ser, devo tudo. Sem ele não teria convivido, de início, com um dos melhores e mais saudosos grupos de jornalistas que terá existido neste País, não teria admirado a dignidade e camaradagem com que nos brindava no dia a dia aquela figura ímpar da cultura e do jornalismo, que tão bem sabia combinar as suas funções de director-adjunto do Diário de Lisboa com as de vice-presidente da Associação Industrial Portuguesa e de Comissário-Geral da FIL.

De extrema modéstia, profunda cultura, sólida formação política, Mário Neves não mostrava minimamente ser a figura decisiva, citada por Hugh Thomas na História da Guerra Civil Espanhola, o único jornalista a testemunhar e a denunciar, então nas páginas de “O Século”, os fuzilamentos maciços que as forças rebeldes de Franco  executaram na Praça de Touros de Badajoz.

Quando a vida lhe causou profundos e irreparáveis desgostos, tão injustos e dolorosos quanto pode ser a perda inesperada e distante dum filho estremecido,  nunca Mário Neves perdeu a compostura digna, a resignação inteligente, a compreensão dialéctica do que é a vida e a morte. Foi um senhor, como o demonstrou ao servir Portugal como seu primeiro embaixador na União Soviética, logo a seguir ao 25 de Abril, tarefa a que se entregou apaixonadamente e finda a qual a doença e a hipocrisia o cercariam até, por fim, o abaterem, modesto e solitário, deixando para todos outra obra sua, A Capital,  vespertino que sobreviveu depois de o ter refundado.

 

                               MANUEL PACHECO DE MIRANDA

 

Manuel Pacheco de Miranda era um aristocrata – Jovial, não mostrando a passagem dos anos, sem dramatizar ou encenar a experiência de que dispunha, indefectível defensor de quantos com ele trabalhavam, o “Senhor Director” agarrou num pequeno e desacreditado jornal local e fez dele o maior diário português.

Foi simples: converteu-o na voz dos pobres e mais esquecidos; defendendo um pequeno núcleo de jornalistas contra tudo e contra todos; recrutando novos jornalistas capazes de entenderem os leitores, o espírito do jornal e “as ideias do Sr. Director”; andando tecnologicamente e empresarialmente à frente dos outros. Acabou presidente do Conselho Fiscal duma pequena empresa familiar que nunca deixou de ser sua.

Viajei com Pacheco de Miranda pelo Mundo, convivi com ele no Porto e em Lisboa. Conversámos sobre jornais e jornalismo. Avaliámos em conjunto o que a vida tem de bom e de mau para nos oferecer. Fui grande amigo de Eduardo Soares um dos seus apóstolos, tive a honra de colaborar no JN a convite seu e de conhecer o carinho caloroso dos seus leitores.

“O Senhor Director” deixou escola e seguidores. Mau grado hoje estar esquecido e mal tratado o seu jornal ainda é o número dois por muito que façam por o deitar abaixo.

Mário Neves e Manuel Pacheco de Miranda foram figuras muito diferentes mas ambos de superior grandeza no Jornalismo português. Não são recordados como mereceriam. Mas deixaram a marca da sua passagem por entre nós. Quem os conheceu não os esquece. Quem não os conheceu nem imagina como estes homens influenciaram as suas vidas.

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