Editorial

O sorriso da Dona Fechinha
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Damião Cunha Velho

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A dona Fechinha foi minha professora na primeira e segunda classe. Com ela aprendi a ler e a escrever. E a sorrir.

A dona Fechinha teve uma vida longa e merecida. Deixou-nos em janeiro deste ano aos 94 anos. Quando recebi a notícia fiquei incrédulo porque a dona Fechinha sempre que a via, respirava vida, energia. A vida ficava-lhe bem. Disseram-me que morreu da idade. Para mim, morreu de ternura.

Acredito que esteja algures em paz, a dormir o sono dos justos. Um sono oferecido a quem cumpriu a sua missão e para quem o dia da sua morte terá sido só mais um dia do resto da sua vida.

Ocorreu-me escrever sobre a dona Fechinha porque me cruzei agora com a sua filha Regina, no hospital a dar entrada para ser operado. E a Regina cumprimentou-me com o mesmo sorriso da mãe. Eu nesse sorriso vi a dona Fechinha como que a dizer-me: “Vai correr bem”.

A dona Fechinha quando se cruzava comigo na rua dava-me dois beijos e sempre com um sorriso na cara, um sorriso que nunca esqueci e nunca esquecerei.

Tinha a sensação que ficava feliz por me ver. Dizia-me sempre que tinha sido um dos seus melhores alunos. Não sei se fui, sei que há pessoas que existem para nos alegrar os dias.

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Um dia, quando era aluno dela e já lá vão 47 anos, passamos um pelo outro na rua. Eu, envergonhado, não a cumprimentei.

No dia seguinte, na escola, levei um raspanete. Fiquei corado e nem piei.

Passados uns dias, morava eu em frente ao Café Esplanada, saí para a rua e vi a dona Fechinha a descer a mesma rua junto da Farmácia Popular. Não havia como recuar, estávamos separados por 100 metros e ela tinha-me visto também. Isto passou-se numa tarde.

Eu, mais do que corado, fui a treinar, mentalmente, por ali acima, as palavras “boa tarde, boa tarde…”. Não podia e não tinha como não cumprimentar a minha professora depois do que se tinha passado.

Quando nos cruzamos, a meio do caminho, eu, tal era a atrapalhação, disse “bom dia” em vez de dizer “boa tarde”.

A dona Fechinha, perdida com o riso, pegou em mim ao colo e encheu-me de beijos.

Ensinar também é um ato de amor. Aliás, ensinar com amor é educar. O melhor presente que se pode dar a alguém.

A dona Fechinha foi uma boa professora, dentro e fora da escola, como todos os bons professores, educando pelo exemplo e não deixando essa tarefa à porta da escola no fim das aulas.

A dona Fechinha fazia-o com alegria, com um sorriso contagiante, a sua imagem de marca que nunca poderei esquecer. Até porque é-me impossível viver sem a esperança e a alegria daquele sorriso, tão importante nos dias em que a vida não me permite sorrir.

Não há coincidências, e se a dona Fechinha me disse, através da filha, que ia correr bem a minha cirurgia, é porque vai correr bem.

Deitado, à espera, enquanto o soro, gota a gota, entra nas veias, imagino-a a sorrir e a dizer à morte que pode esperar.

Como não obedecer àquele sorriso?

Obrigado!

 

3 comentários

  1. Como todos que tenho o grato prazer de ler, este fez-me reviver a minha saudosa professora, da primeira classe.
    Bem haja..

  2. Adorei ler toda essa ternura.
    Sorrisos….reconfortam nos e mantêm o nosso equilibrio emocional…bem haja Damião por nos recordar a importância de um sorriso.

  3. Professora Olga da minha primeira classe em Vila Nova de Cerveira, qual homenagem, referida, no “Cerveira Nova”, dirigido pela jovem Rita Costa, deste MD, e no Geral l, pelo Dr. Rui Carpinteira.
    Entrei com o h.
    Hoje, não escrevo, sem h.
    Damião Cunha Velho (?), Juntar Muitos Jovens, dá JMJ.
    Proveito Jovem…
    …. alh€io…
    Eu não pensei.

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