Editorial

A OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA EM MEDICINA GERAL E FAMILIAR
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Virgínia Laranjeira

Médica na Especialidade de MGF

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O médico de família é o médico da proximidade. A maioria das vezes, é o clínico que melhor conhece o doente na doença, no seio pessoal e nas interações familiares. A relação médico-doente é regada a cada contacto e deve basear-se no respeito mútuo e na partilha de decisões.

Como médicos, devemos respeitar os valores e costumes dos nossos doentes. Porém, nem sempre os valores e convicções do médico, também ele ser humano com bagagem ideológica, são tidos em consideração. Na prática clínica somos confrontados diariamente com a dicotomia entre as expectativas do doente e aquilo que achamos adequado ou aceitável.

Esta ambiguidade surge, frequentemente, em situações de requisição de atestados, como sejam, para a carta de condução em doentes com doenças crónicas não controladas ou atestados para uso e porte de arma. Na minha opinião, além de não se tratarem de avaliações passíveis de serem feitas durante uma consulta dita normal de Medicina Geral e Familiar (MGF), as mesmas podem colocar em confronto as ideologias do clínico versus as expectativas do doente, comprometendo a continuidade da relação médico-doente.

Neste sentido, o Colégio da Especialidade de MGF emitiu em 2018 o parecer Doc. 012 – 2018, sustentado no Regulamento de Deontologia Médica – Regulamento n.º 707/2016, que coloca em evidência a inadequação de colocar o médico de família (advogado do doente) como perito isento na avaliação de situações que possam entrar em conflito com os valores do médico. Nestas, o médico pode advogar a objeção de consciência e recusar a elaboração deste tipo de atestado.

Este parecer resolve um dos lados da questão, ou seja, dá sustentação legal ao médico para recusar invadir os seus princípios morais aquando da sua prática profissional. Contudo, continua a existir o outro lado da problemática, que passa por o mesmo atender às necessidades do doente. Neste sentido, acredito que a criação de unidades externas à MGF para avaliação (física e psicológica) e posterior emissão deste tipo de documentos, como já acontece noutros países, seria uma solução tranquilizadora para muitos médicos. Além de libertar a agenda do médico para situações verdadeiramente clínicas e para as quais foi preparado, contribui para a preservação da relação médico-doente que, no final das contas, é o principal auxiliador de um médico de família.

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