Com sua tristemente habitual bazófia e a arrogância grosseira típica de gente que manda mas que não tem categoria para o cargo que ocupa, o ministro do ambiente Matos Fernandes afirmou hoje esperar que os moradores do prédio Coutinho em Viana do Castelo saiam depressa do edifício. E ainda fez troça dos proprietários dizendo que vai aguardar umas semanas para lançar o concurso público internacional para demolição do prédio não vá surgir alguém que interponha uma nova acção em tribunal.
Se o leitor se recorda da história, o prédio Coutinho foi construído em Viana em meados da década de 70 cumprindo todas as regras e requisitos legais, tendo todas as aprovações e licenças necessárias emitidas e pagas. Posteriormente os apartamentos foram comprados de boa fé e sem qualquer obstáculo por inúmeras famílias.
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No entanto, no início do ano 2000, o suprassumo da engenharia técnica, José Sócrates, conhecido pelos seus aprimorados e esteticamente perfeitos desenhos de projectos habitacionais, entendeu que o prédio Coutinho era feio e enquanto ministro do ambiente à época decidiu que deveria ser demolido e substituído por um mercado municipal.
Desde essa altura que os moradores do Coutinho iniciaram uma batalha judicial para travar o processo de demolição dos apartamentos que haviam comprado com o esforço das suas poupanças de vida. O dinossauro autárquico socialista Defensor Moura sempre defendeu os caprichos de Sócrates contra os seus munícipes e mais recentemente Matos Fernandes tornou-se ministro do Ambiente e passou a dar a cara pelo Estado contra os cidadãos proprietários.
Matos Fernandes foi adjunto e chefe de gabinete de Ricardo Magalhães, ex-administrador da Vianapolis uma empresa municipal de Viana do Castelo que suja as mãos pelo presidente da Câmara que se resguarda no conforto do seu gabinete. O antigo chefe de Matos Fernandes foi por sua vez secretário de estado de Elisa Ferreira, também ela própria ex-ministra do ambiente. Com o governo Sócrates, Matos Fernandes vai para a empresa que elaborou o projecto Polis de alteração da zona do prédio Coutinho. Em 2016 o marido de Elisa Ferreira, assume presidência da Comissão de Coordenação que superintende tudo isto e escolhe o ex-chefe de Matos Fernandes para vice-presidente da instituição. Por seu turno o administrador-executivo da Vianapolis, a empresa municipal, é irmão de outro cavalheiro que foi secretário de estado da Habitação de Matos Fernandes.
A esta altura o leitor já perdeu o fio à meada, mas terá ficado com a ideia acertada de que há um círculo muito fechado de conhecimentos e relações pessoais envolvendo tudo isto que podendo não se traduzir em nenhuma ilegalidade ou procedimento não conforme os regulamentos deixam perplexidades sociológicas sobre quão exíguo é aparentemente o universo de pessoas no país capazes de desempenhar funções destas responsabilidades.
O prédio foi, entretanto, esvaziando-se de moradores e desde 2019 que resta um pequeno grupo de resistentes que luta pela defesa da sua propriedade e do seu direito à habitação. Estas pessoas, algumas delas de idade muito avançada, foram alvo de todo o tipo de ameaças e atentados à sua dignidade por parte dos poderes públicos, câmara e governo de António Costa. Cortaram-lhes ilegalmente o fornecimento de electricidade, impediram os moradores de comprar alimentos, foram privados de água canalizada, cercados policialmente, receberam ameaças de processos judiciais e pedidos de indeminizações milionárias a favor do Estado. Chegou-se ao ponto de realizar demolições de paredes com moradores dentro das suas habitações.
Durante essas semanas mais tensas a comunicação social deu atenção ao assunto e a opinião pública ficou a conhecer um caso bem ilustrativo do poder político contra os cidadãos ao invés de lhes dar protecção. Muitos se sentiram próximos e solidários com a resistência de uns poucos cidadãos perante a desumanização e abuso de poder pelo Estado, e todos testemunharam o uso da força e coerção sobre pessoas frágeis em defesa daquilo que é seu por trabalho e direito.
Em 2019 o presidente da República era Marcelo Rebelo de Sousa e nada disse em protecção do direito à propriedade privada ou dos mais que justos pedidos de ajuda dos moradores do prédio Coutinho. Fingiu não conhecer o dossier.
Esta semana os moradores receberam a notícia de que um tribunal julgou improcedente as suas razões e por isso serão mesmo obrigados a abandonar a casa das suas vidas.
Esta semana também o país elegeu para um segundo mandato o mesmo Presidente da República, numa nada surpreendente escolha de um hipocondríaco para supostamente “combater” a epidemia…
Tanto no caso do prédio Coutinho como no caso da gestão da epidemia é evidente que o Estado, que detém a força, acaba por impôr a sua vontade, fazendo tábula rasa dos direitos de propriedade, menosprezando as liberdades individuais e transformando as pessoas em meros obedientes peões dos interesses da oligarquia.
Ora, mesmo que a luta possa estar condenada ao fracasso, a dignidade de cada pessoa exige que se resista e continue a resistir ao abandono dos valores e princípios mais fundamentais que dão sentido ao ser humano e à sua singular autonomia.
Alguma coisa teremos a aprender com os heróis do prédio Coutinho.