Editorial

Pedro Nuno Santos e o urinol de Duchamp
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Damião Cunha Velho

Com a súbita queda do Governo socialista, os portugueses daqui a pouco menos de dois meses vão ter de decidir quem vai ser o próximo primeiro-ministro. 

Vivemos numa democracia: um cidadão, um voto, um voto livre. A questão é saber se vivemos mesmo numa democracia e se o voto é realmente livre?

O eleitor deve seguir as suas opiniões pessoais e daí fazer a melhor escolha. É assim em democracia. No entanto, duas novas questões se levantam daqui.

Primeira, como saber se é a melhor escolha?

Segunda, até que ponto as opiniões pessoais são condicionadas?

Se repararmos, nas ditaduras a censura é feita pela sonegação de informação. Veja-se o que acontece na Rússia sobre o que se passa na guerra com a Ucrânia, os russos sabem aquilo que Putin permite que eles saibam. Nas democracias pouco maduras, como a portuguesa, a censura faz-se pelo bombardeamento constante de informação com o intuito de desviar as atenções sobre o essencial.

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

Só quem consegue separar o trigo do joio é que alcança o conhecimento que permite fazer a melhor escolha. Porém, isso é uma tarefa difícil, que não está à mão de todos, o que, por si só, me leva a acreditar que mesmo não vivendo numa ditadura tradicional também não vivemos numa democracia plena.

É que, para o eleitor aceder às suas opiniões pessoais e seguir o que elas lhe ditam, tem de se abstrair dos slogans vazios de conteúdo, das mentiras sem fim dos políticos experientes a que chamam muitas vezes de “inverdades”, do ruído criado pelos astutos assessores de imprensa, das sábias e oportunas opiniões dos comentadores televisivos profissionais e dos seus próprios preconceitos.

Nós nascemos livres, todavia vivemos acorrentados de várias formas e, se não nos conseguirmos soltar dessas amarras, não seremos mais do que um produto de quem nos acorrentou.

Todos os partidos políticos são assessorados por publicitários profissionais, mas, no penúltimo fim-de-semana, foi mais do que evidente o imenso poder e influência da máquina de propaganda do Partido Socialista. Quase omnipotente de tão omnipresente que esteve no congresso do PS e em tudo que circundou o evento. É que, praticamente, sem nos darmos conta, os jornalistas trataram Pedro Nuno Santos como se já fosse primeiro-ministro. E, assim, continua.

Marcel Duchamp, em 1917, a partir de um vulgar urinol de produção industrial fez uma obra de arte. A “Fonte” de Duchamp foi considerada arte pela simples razão de que a arte é arte se alguém vir beleza na obra.

Tal como na arte moderna, inaugurada por Duchamp, na política moderna as regras não existem. Um político pode sê-lo desde que alguém o veja como tal. O passado, o cadastro, o currículo ou a falta dele, a honorabilidade, não entram na equação.

A máquina de propaganda socialista fez arte com Pedro Nuno Santos. Transformou-o, antes da decisão popular, em primeiro-ministro.

Porém, se formos capazes de nos abstrair dos “retoques” de Duchamp, não conseguimos ver outra coisa em Pedro Nuno Santos senão um simples e vulgar urinol!

E o grande problema de Portugal é que a nossa classe política está repleta destas “obras de arte”!

 

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