Zita Leal
Professora
(Aposentada)
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A rua está mais idosa, as casas morrem de solidão e alguns vizinhos já mudaram de planeta ou de estrela ou talvez não.
Hoje veio-me à lembrança o tempo em que trabalhei na antiga padaria do meu sogro e onde, apesar de nada perceber do assunto, vivi dias de alegria e descoberta.
Eram os padeiros, homens alegres com sabedorias populares dirão alguns: eu achei-os sábios da vida.
Eram os clientes pacientes com a minha falta de jeito para cortar a broa, as vizinhas que me ensinavam os segredos dos assados, da chora, do escoado para a ceia.
Quase todas as manhãs entrava na padaria um senhor idoso com um ar de avô, daqueles que contam histórias com o neto ao colo e um menino de sobretudo no tempo frio e caracóis ao vento quando o sol visitava a vila.
O menino entrava, um pouco tímido e pedia um passarinho. A primeira vez não dei conta do recado, mas o avô esclareceu: é aquele pãozinho que parece um passarinho. No dia seguinte quando o menino entrou nem precisou de pedir. Dei-lhe logo o passarinho. Ainda hoje esse menino corre a vida à procura das asas da liberdade, jeito que lhe ficou do gosto pelo passarinho…
Um dia o avô ofereceu-me um pequeno prato com várias castanhas escandalosamente apetecíveis. Eram de barro, creio, mas que apetecia roê-las, lá isso apetecia. Ainda hoje estão penduradas na minha cozinha e conservam esse ar insolente de convite. Saudoso Saguncho!
O menino, quando lhe perguntei uma vez como se chamava, respondeu-me com um sorriso de menino feliz. Mostrou-me a mão direita com dois dedinhos esticados e disse: Viato Teles, dôs anos e mêo. Beijei-lhe os caracóis e pus-lhe o passarinho na mão.
Saudades tuas, Viriato Teles! Conquistaste as asas do passarinho ao longo da vida.
Mas a liberdade já estava na tua cabecinha encaracolada. Não a deixes fugir!