Editorial

Deputados trabalham na AR em part-time
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Jorge VER de Melo

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Jorge VER de Melo

Consultor de Comunicação

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

É verdade, os nossos deputados podem trabalhar nos seus gabinetes ou noutras empresas e entretanto vão dar uma perninha na Assembleia da República. Mas ganham o ordenado e as mordomias tal como se lá estivessem a tempo inteiro.

Ora bem, não é tanto assim, mas vamos lá entender isto.

Afinal quando votamos democraticamente para os nossos representantes na Assembleia da República estamos a confiar em trabalhadores que a tempo inteiro, “full-time”, vão defender os nossos interesses. Claro que a perspetiva de qualquer humilde cidadão inclui a construção, dia após dia, de um país cada vez melhor para todos nós.

Oh! Não é nada disso…

O que se passa é o seguinte:

– Segundo o Estatuto dos Deputados que podem confirmar no endereço anexo, estes senhores foram escolhidos para  ajudarem a legislar algumas Leis ou a instalar alguns inquéritos, etc.;

– Em muitos casos nem são eles a intervir na elaboração das Leis porque não se devem sentir devidamente preparados para tal, então contratam um gabinete jurídico, até pode ser o de um amigo chegado, para fazer esse trabalho bem remunerado;

– Nos tais inquéritos ou reuniões para discussão de quaisquer assuntos, delegam nos adjuntos ou nos secretários e lá vão eles tratar da sua vida pessoal que essa nunca pode ser abandonada nem por patriotismo.

No fundo foi o que os nossos Deputados estiveram a discutir e concluíram durante estes últimos dias, para que ficasse bem esclarecido, preto no branco, aquilo que eles entendem ser o seu papel na nossa triste Democracia.

Como devem saber, o Estatuto do Deputado envolve um conjunto elevado de Decretos e retificações que vão desde a Lei nº7/93 de 1 de março, até à Lei nº 16/2009 de 1 de abril e agora está a ser novamente retificada para clarificação da transparência e legalização da atividade profissional incluindo os interesses em sociedades extra Parlamento.

https://www.parlamento.pt/legislacao/documents/legislacao_anotada/estatutodeputados_simples.pdf

Vamos então esmiuçar um pouco do que foi discutido durante estes dias, na AR.

No fundo o que aconteceu em 28 de março foi o seguinte:

– O Deputado Álvaro Batista do PSD, ligeiramente antes de encerrar a discussão dos trabalhos da Comissão de Reforço da Transparência daquele dia, altera o texto indiciário do artigo 21º dos Estatutos do Deputado numa votação concertada com a aprovação do PSD e a abstenção do PS ficando tudo pior do se encontrava anteriormente.

Ou seja, no texto anteriormente em consenso após votação indicativa, os Deputados tinham concluído que “seriam impedidos de integrar ou prestar quaisquer serviços a sociedades civis ou comerciais onde tivessem funções como consultor, emitir pareceres ou exercer o patrocínio judiciário nos processos, em qualquer foro, a favor ou contra o Estado ou quaisquer entes públicos”.

Na modificação de última hora ficou da seguinte forma: “Os Deputados passam a não poder intervir em qualquer uma das atividades de consultor ou emitir pareceres ou representar partes em processos a favor ou contra o Estado numa sociedade civil ou comercial em que preste serviço ou seja sócio”. Mas pode fazer parte da sociedade, prestar serviços ou emitir pareceres desde que não seja em questões relacionadas com o Estado.

Daqui se conclui que um Deputado, funcionário dos cidadãos e pago por eles, pode trabalhar ou ser sócio de uma empresa qualquer desde que não intervenha naquele tipo de processos, mas os seus colaboradores ou família podem. Tudo isto em simultâneo com o trabalho patriótico no Parlamento.

O Deputado António Filipe do PCP criticou a emenda alegando que esta situação é muito pior que a anterior. Acrescentamos nós que a tal transparência parece ter ficado ainda mais turva e a imagem dos nossos políticos ainda mais devassada perante a Nação.

Mas as justificações é que são interessantes:

– Paulo Trigo Pereira do PS acrescenta que qualquer sociedade de advogados a que um Deputado pertença pode até continuar e ajudar a elaborar as Leis. (Claro, “como somos ingénuos!…”). “Não pode, não deve fazê-lo”. Afirmou de seguida.

–  Outro artigo também aprovado, desta vez pelo PSD e pelo CDS permite que “se, antes de ser eleito, um Deputado já se encontre a trabalhar em instituições, empresas ou sociedades de crédito, seguradoras ou financeiras, pode continuar a fazê-lo.” Que transparência!…

– Álvaro Batista do PSD complementa que “este diploma deve ser combinado com o regime de exercício de funções por titulares de cargos públicos, aprovado na quarta-feira anterior”.

– A declaração final é que podemos considerar épica. Declara ele que “a sobrevivência de muitas sociedades de advogados, pequenas e médias, dependem do trabalho desse advogado”. (Deputado).

Já agora perguntamos nós:

– “Então em que grau de prioridades coloca ele os ‘interesses superiores da Nação’ que o humilde cidadão lhe confiou?”

Se realmente algum Deputado está a por em causa a sobrevivência dos seus sócios ou de alguma empresa só tem uma saída, é demitir-se do cargo. Há tanta gente competente com vontade de trabalhar!

Mas gostavamos de perguntar aos Senhores Deputados:

– Algum dos seus colaboradores usufrui de todas estas mordomias assinaladas nos Estatutos do Deputado?

Caros trabalhadores portugueses, estudem bem estes estatutos que darão certamente, no futuro, um belíssimo contrato de trabalho… Só não sabemos se o País aguenta!…

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