João Cerqueira
Professor e Escritor
Vai por aí uma grande confusão entre pensar e fazer. O que define uma pessoa? São as suas ideias ou os seus actos?
O que realmente define uma pessoa é o que ela fez durante a sua vida. Pouco interessa, se defendeu a solidariedade, mas nunca a praticou. Ou se disse que ia matar alguém, mas nem sequer lhe tocou. Este princípio vale também para as ideologias políticas. Proclamar-se democrata não garante a ninguém um atestado de bondade, assim como assumir-se antidemocrata não torna essa pessoa a encarnação do mal. A nossa escolha ideológica apenas nos pode definir como idealistas, pragmáticos ou tolos – mais nada.
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Na verdade, a gente mais reles que encontrei – ladrões, vigaristas e escroques – acredita na liberdade e na democracia. E sucede que uma das melhores pessoas que conheci – o pai de um amigo – não acreditava na democracia. No entanto, como cidadão, como pai, como trabalhador, foi sempre exemplar. Era educado, honesto e solidário. Arriscou a vida para salvar desconhecidos prestes a afogarem-se. Fossem todos os democratas como ele, e teríamos um país muito melhor.
Ser verdadeiramente civilizado é abandonar os preconceitos. Não apenas contra as pessoas de cor ou os homossexuais, mas também contra quem pensa diferente. E podemos até ir mais longe, como dizia George Orwell, lutando para que aqueles de quem discordamos possam expressar-se livremente. Pouca gente o consegue – a começar pelos grandes democratas.
E poderão agora perguntar? Ai sim, espertinho, e tu, tens amigos comunistas?
Tenho, pelo menos um, além de vários conhecidos. E fui amigo de um senhor exilado durante o Estado Novo que acreditou até ao fim que Marx tinha razão. Tinha sido amigo do meu pai – ainda mais anticomunista do que eu – e tornou-se depois meu amigo.
Recusou ver a realidade, mas era uma pessoa civilizada.
