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Isabel Varela: Uma Mulher de Luta e Coragem!

Isabel Varela e o professor ao piano

Foram emoções fortes em ‘Monólogo na Escuridão’ de Isabel Varela que, faz hoje uma semana que o Cine-teatro Valadares, em Caminha, recebeu a Isabel Varela que fez a apresentação pública do seu ‘Monólogo na Escuridão’.

O cenário estava perfeito: as luzes acenderam-se no palco e viu-se uma Isabel Varela sentada com as mãos na cabeça, junto a uma pequena mesa. De repente, começa a passar numa tela uma série de fotografias da autora, desde que deu os primeiros passos até à idade adulta. Nesta primeira ‘viagem’, a jornalista ainda gozava de saúde. De fundo, ouvia-se a magnífica interpretação do fabuloso trio Ensemble Risoluto, com a música do ‘Feiticeiro de Oz’.

Reportagem fotográfica e video: Ricardo Brigadeiro

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Na plateia, o ambiente era de enorme concentração, de emoção, pois todos sabiam o quanto é hoje diferente o dia- a-dia de Isabel, um mundo na escuridão – completamente cega. De repente, fez-se silêncio, e logo começaram a ouvir-se os primeiros sons de um pianista, o prof. Saul Dias Chapela da Academia Fernandes Fão. E Isabel Varela começou a contar o que lhe ia no coração, com sentimento, revolta e indignação também.

Foi, sensivelmente há 5 anos que ela perdeu por completo a visão. No entanto, o período da doença recua muito mais no tempo, cerca de 11 ou 12 anos. Nessa altura, foi-lhe diagnosticada uma coisa rara: a doença de Behçet. É uma doença ao nível do sistema imunitário, em que provoca inflamações a nível das mucosa, com aftas, nas articulações e nos olhos. A nível ocular o que está identificado são as conjuntivites, ovaítes e outro tipo de inflamações.

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A doença em si somente lhe foi diagnosticada passados uns anos. Faziam-se exames e nada era identificado.

Ao primeiro sinal a nível ocular e que lhe causou estranheza, decidiu ir a umédico especialista, que logo indicou um tratamento. No entanto, passado um ano começou a aperceber-se que estava a ter uma redução de visão.

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Como não lhe estava nada a agradar o que estava a suceder, optou por outro médico que, numa primeira análise, lhe disse que o tratamento que tinha estado a fazer tinha provocado … cataratas!

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Foi o primeiro choque, pois requeria uma intervenção e, evidentemente, isso assustou-a imenso.

A partir daí a situação foi sempre degradando-se. Se houve negligência, não o pode provar. Tem suspeitas, pois quando o diagnóstico foi feito, ela tinha realizado uma exaustiva  pesquisa sobre a doença, e não se conhecem situações de cegueira devido à doença de Behçet.

Desde o início nenhum médico lhe colocou a hipótese de ficar cega. Tinha períodos de crise, isto é, inflamação nos olhos, mas que com uma medicação voltava a recuperar.

Esteve  alguns anos com actividade visual mais reduzida, mas isso não a impedia de andar sozinha na rua e fazer as suas coisas com alguma normalidade.

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No entanto, em Agosto, acordou um dia com a vista muito perturbada, mas aliava a mais uma inflamação e mais nada. O certo é que desde essa altura, nunca mais voltou a ver.

ACORDAR PARA UMA OUTRA REALIDADE

 

Começava um doloroso e difícil percurso de raiva, impotência e muita revolta. Nunca nenhum médico lhe tinha dito que a cegueira poderia ser uma consequência e, assim, foi totalmente apanhada desprevenida.

Nos primeiros tempos achou que poderia superar o obstáculo sozinha, mas nada !…

Passou momentos nada bons. Sempre foi alguém activa e que de repente se sentia uma inútil.

Mentalmente, teve de fazer uma adaptação, isto é, decidiu ir a uma associação de cegos e amblíopes e saber o que poderia fazer. Foi aí que surgiram as aulas de informática, orientação,  mobilidade e braille.

Tudo isto não se conquista de um dia para o outro… Mas, finalmente, conseguiu a adaptação e as ferramentas necessárias para continuar com a sua vida.

Porém, a situação torna-se mais degradante e depressiva quando se apercebe que aqueles que se diziam amigos, desapareceram  Não teve nenhum contacto da parte deles para saber o que se passava e apoio numa situação que claramente não é fácil.

E quando pensastes em escrever o monólogo? – quisemos saber. «Praticamente logo após as aulas de informática. Tinha muito para contar do que vivi e considerei que, ao divulgar, com isso poderia ajudar-me mais e, se possível, a outros. Foi como uma catarse e após terminar o monólogo, disse: uf, já estou mais leve!…  É como se todos os meus medos, angústias e sofrimento se tivessem descolado de mim», confessa-nos Isabel Varela.

«Após o término, nem pensei duas vezes, e disse: tenho de o levar a cena. E, assim, contava a minha experiência, alertava a sociedade no tratamento com a «diferença» ou «deficiência». Sei que muitos invisuais não tem a oportunidade de sair do sofrimento em que vivem devido à sua deficiência visual, e, talvez, este meu monólogo fosse um contributo. Quanto à sociedade sei que é uma bandeira que todos os dias tem de ser hasteada, pois não sabem lidar com o diferente, tem medo e, além disso, alguns mitos surgem à volta de uma cegueira».

Após o espectáculo quais foram as reacções que ouviste? «Já no palco me tinha apercebido que a emoção estava a circular na plateia… Ouvi suspiros e algumas palavras emotivas… É evidente, que tal também me emocionou… Não poderia ser de outra forma, o que contei não é ficção, mas a realidade nua e crua…»

E prossegue: «Sei que no momento que verificaram que eu tinha rapado a minha cabeça, a surpresa e admiração aumentaram… Somente o fiz, porque a mensagem inicial era muito emotiva e sofrida, e queria mostrar que a Isabel tinha efectuado uma mudança total e real quando decidiu enfrentar esta minha nova condição de deficiente visual. Também sei que, para alguns presentes foi como levar um soco no estômago».

E quais foram as reacções após o teu espectáculo?  «No dia seguinte e na minha conta de facebook, tinha imensas mensagem privadas e outros optaram por colocar uma mensagem de apoio na minha cronologia. A todos agradeço».

E como te defines hoje? «Sou alguém que, com a perda de visão, teve a oportunidade de crescer imenso como ser humano, ser mais tolerante, compreensiva e, se antes de perder a visão, tinha vontade de viver, agora muito mais. Sei que, ainda, tenho muito a aprender… Mas, também, sei que muito posso ensinar ou ajudar… E esse é o meu objectivo e missão…»

PROJECTOS NO HORIZONTE

 

Que projectos tens agora na tua vida?  «Bem! Após, escrever o monólogo, iniciei um outro processo criativo e de investigação. Deparei que em Caminha havia uma grande lacuna na biblioteca, isto é, não estava preparada para um serviço de apoio à deficiência visual. Evidente, comecei a estudar, fazer contactos e elaborei um projecto de áudio-leitura para a biblioteca de Caminha. Com o dossiê concluído, marquei uma reunião com o presidente da Câmara Municipal, Miguel Alves, para lhe apresentar. O resultado foi muito bom, pois ele logo disse que o projecto era de interesse para Caminha. Depois, tive uma reunião com a directora da biblioteca e passados poucos dias – ou talvez semanas, não tenho bem a certeza -, recebia uma carta do presidente do município confirmando que o projecto era para avançar e iria ficar nas novas instalações da biblioteca. Que como sabemos poderá para breve a ser inaugurada».

Isabel Varela levanta um pouco o véu sobre esse ‘seu sonho’:  «O serviço de áudio-leitura terá a sua própria área de produção, isto é, um estúdio para que se possa fazer a gravação das obras. Claro que, neste âmbito, iremos funcionar com voluntários para a leitura, podendo o serviço ser entregue em todo o país. Não colocamos de parte ter algumas obras em braille, mas a essência será o áudio. Nota-se que é com emoção e carinho que fala desse serviço. «Foi um bebé que eu criei, colmatei uma lacuna do concelho de Caminha e poderá ser de ajuda a muita gente. Obviamente, não vou mentir… Se o criei, gostaria imenso de continuar ligado a ele».

E mais alguns projectos? – perguntamos.  «Oh!  Estou em casa, sou jornalista neste jornal,  também ele cresceu comigo, e, obviamente, espero continuar ligado a ele. Aliás, poucas pessoas saberão, mas foi por minha insistência que se criou um sistema informático que permite que um cego possa ler o Minho Digital num telemóvel. Quantos jornais pensam em nós? Digam-me!!!  Quando a nossa vontade é imensa, não existem limites.  Penso que os dois projectos podem ser associados. Sinto-me bem em ajudar os outros e contribuir para uma sociedade melhor. Nesse sentido, todas as oportunidades que cheguem para transmitir aos mais novos e não só, eu lá estarei».

Que mensagem gostarias de deixar? «Uso com alguma frequência uma frase de Charles Chaplin, em que dizia: ‘a vida é um palco de teatro, disfruta enquanto o pano não desce…’ Enquanto me sentir útil e possa dar um contributo, estarei sempre presente! A cegueira não me afectou os miolos e as minhas capacidades!…» – conclui com uma bem sonora gargalhada.

Veja o video em:

https://vimeo.com/163810108

E o editorial: 

http://www.minhodigital.com/news/monologo-na-escuridao

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