Editorial

Pó de arroz
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Damião Cunha Velho

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Ninguém gosta de mostrar as suas fragilidades ou simplesmente permitir que o mundo veja que está triste, uma condição tão natural como fazer chuva ou sol, mesmo que seja uma tristeza temporária, como se a tristeza fosse algo que inferioriza.

Conheço homens e mulheres assim.

Tive, em tempos, uma amiga muito assim. De um “assim” quase patológico. Maquilhava-se sempre dos pés à cabeça para sair à rua, nem que fosse apenas para assinar o aviso de receção de uma carta e voltar, no mesmo minuto, para dentro de casa, sem que o carteiro – aos seus olhos um Brad Pitt em potência, em beleza, dinheiro ou status – se apercebesse do seu estado. Não sendo nova, ficava mais bonita, mais segura, como quem pára o tempo que tinha ficado lá atrás há bastante tempo.

Porém, no essencial, de nada lhe servia.

Continuava triste. Via-se, sentia-se. A maquilhagem só faz o milagre do possível. E, acreditem, não há coisa mais triste do que ver uma mulher imensamente triste a esforçar-se para parecer feliz!

No caso dela, a vida, já longa, não lhe foi sempre triste, difícil. Aliás, foi quase sempre boa. Viveu daquilo que a idade leva: a beleza exterior. “Linda e cheia de graça”, como diz a canção, tinha razões para isso e apostou todas as fichas no mesmo cavalo que agora, pelo que vejo, está fechado numa boxe, a cumprir pena perpétua.

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

Na vida fazemos muitas escolhas, umas certas outras erradas. Acreditamos numas coisas e olhamos para outras com desdém. Quem vive da aparência, da compleição física, há uma coisa a que não pode fazer vista grossa, se acredita que vai ter uma vida longa e que a fonte da juventude é uma utopia. Refiro-me à eterna beleza física. Apesar de eu achar que uma mulher que passou os cinquenta anos de idade tem muitos mais atributos do que uma mulher de vinte, há um que, genericamente, nunca superará: o corpo.

O que não entendo, verdadeiramente, é como durante tantos anos negou o óbvio ou como a experiência de vida não lhe ensinou isso. Até porque o futuro, o inevitável amanhã, nunca será sinónimo de mais ou igual juventude. E tantos anos decorridos, sei que continua a insistir em querer colher frutos do que já não é, como antes.

Do que me lembro, há coisas que era: culta, inteligente, requintada… Tudo o que um homem maduro aprecia. Tudo aquilo que um homem que também já viveu muito acha belo. Algo que quem tem vinte anos, genericamente, ainda não é.

Se há uma certa beleza que já se foi, há outra que permanece. É esta que agora é realmente importante, é esta que realmente tem valor, ou que deveria ter, para ela e para quem para ela olha.

Olha e a vê!

Porque persiste em continuar, pergunto-me se esta beleza realmente existe, se alguma vez existiu ou não será mais um bluff embrulhado em pó de arroz?!

 

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