Editorial

A Ponte sobre o Rio Trancão devia-se chamar Ponte Lúcia 
Picture of Damião Cunha Velho

Damião Cunha Velho

Partilhar

Sim, a ponte sobre o rio Trancão, a que queriam dar o nome de Ponte D. Manuel Clemente, devia-se chamar Ponte Lúcia.

É claro que era totalmente inaceitável que esta ponte que foi construída para as JMJ tivesse o nome de um pecador que foi contra as leis da Igreja Católica e um criminoso, segundo as leis do Estado português, quando encobriu um caso de abuso sexual de uma criança por um padre e o manteve em funções. Mais, foi enquanto cardeal-patriarca de Lisboa contra a indemnização às vítimas dos abusos sexuais na sua Igreja por entender que era um insulto para as próprias vítimas. Para mim, insulto é abusar de crianças e permitir que esse crime se continue a praticar até porque segundo o pedopsiquiatria Pedro Stretch, que fez parte da Comissão Independente para Investigação de Abusos Sexuais na Igreja, um abusador sexual de crianças tende a repetir o seu comportamento se não for imediatamente travado.

Uma vez que aquela ponte foi feita para um evento religioso e se se entende que a ponte deve ter um nome ligado à promotora do evento, a Igreja Católica, então porque não o nome de Lúcia?

Para mim, seria uma excelente escolha, em homenagem a todas as crianças sequestradas deste mundo, como foi Lúcia, e uma homenagem aos pais da pastorinha Lúcia que muito sofreram com o rapto da filha.

E relembrar também que existem raptores de crianças que as usam para os fins mais perversos como, por exemplo, para manter o poder de uma instituição, através de uma mentira, a que hoje chamamos “Milagre de Fátima”.

Estou a falar, neste caso concreto, do cônego Formigão.

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

Com o fim da monarquia em 1910 a Igreja Católica perdeu muitos privilégios. O dinheiro começou a escassear e a diocese de Leiria tinha que fechar passando para a jurisdição da diocese de Lisboa. Então, um homem respeitado na região, o doutor Cônego Formigão, que tinha acabado de chegar de Lourdes-França, deslumbrado com o dinheiro que por lá se fazia, pensou que era preciso fazer algo semelhante na região de Leiria.

O “douto” Formigão, sabendo da idolatria dos portugueses pelas aparições marianas, pensou numa aparição da Nossa Senhora a cada dia 13, de maio a outubro, na Cova da Iria.

Engraçado como os milagres não acontecem de repente por vontade de Deus, mas pela vontade de um homem e por agendamento.

O ano de 1917 já conhecia a frase: “Novos tempos”!

O Cónego Formigão planeou tudo muito bem, diga-se. Arranjou três inocentes, analfabetas e assustadiças crianças, que por ele tinham admiração e total respeito. Segundo os pais de Lúcia, total obediência, “Deus na Terra”.

Três crianças que não sabiam sequer onde era Lisboa e a quem Nossa Senhora lhes confiou uma mensagem sobre a Rússia. Enfim…

A verdade é que os pais de Lúcia nunca acreditaram no que dizia a filha. Era tudo dito por ordem do doutor Cónego Formigão. O pai de Lúcia, António dos Santos Abóbora, farto dos peregrinos, que escorraçava quando por ali andavam porque lhe pisavam a horta e lhe estragavam o cultivo, morreu um ano depois da Igreja Católica lhe ter raptado a filha, e a mãe de Lúcia também nunca acreditou no que a filha disse e nunca mais a viu desde os 12 anos da menina.

Segundo a própria Igreja Católica, a morte do pai de Lúcia foi um castigo de Deus por nunca ter acreditado na filha. Veja-se, Deus castigou com a pena máxima um pai por ter perdido a sua filha! Para quem diz que Deus é amor, como é o caso da Igreja Católica, aqui não lhe fez justiça. Aliás, esta não é a primeira tropelia que Deus tem no Seu currículo. Basta recuarmos 2023 anos atrás e pensarmos que Deus é este que inseminou a mulher de outro, desapareceu e apareceu 30 anos depois para dar uma missão ao seu filho (estou a citar Nuno Lobo Antunes no seu livro “Em Nome do Pai”)?

Não querendo entrar na discussão do milagre de Fátima, também não posso deixar de achar curioso que milhões de pessoas acreditem que o Sol abanou em Fátima quando o nosso sistema solar só tem um Sol e que metade do planeta não tenha observado esse milagre.

Interessante a dissertação de Jung sobre as necessidades irracionais dos seres humanos.

Retirando-me dessa discussão mais técnica, há um facto curioso e indesmentível, porque consta dos relatos das testemunhas nos documentos que a Igreja usa para comprovar o milagre. É que no dia 13 de agosto, o administrador do concelho esqueceu-se que era dia de milagre e levou as três crianças para sua casa onde foram muito bem acolhidas. Este inesperado acontecimento atrapalhou os planos do cónego Formigão. Então, adiou-se o milagre do dia 13 para o dia 19 de agosto. Portanto, as peregrinações a Fátima no mês de agosto deviam ser feitas no dia 19 porque é assim que consta na documentação da Igreja.

Voltando à Lúcia, precisamos de perceber, sentir, o que teria sido o sofrimento de uma criança que ficou sem os pais com apenas 12 anos. Ficou toda a vida em clausura (muito conveniente que ficasse calada e afastada), primeiro em Tui-Espanha, depois no Porto e por fim no Carmelo de Coimbra onde viria a morrer.

E não foi num acidente, numa coisa não controlável, foi num sequestro. Imaginem isso hoje em dia? Imaginem o sequestrador ficar impune? Imaginem os arquitetos do sequestro serem alvo de profunda admiração?

Imaginem que os vossos filhos podem um dia ser Lúcia? Se sim, a ponte do rio Trancão, em homenagem a todas as crianças que passaram por abusos, podia-se chamar Ponte Lúcia!

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Mais
editoriais

Junte-se a nós todas as semanas